Por Jânsen Leiros Jr.
Após horas de atraso, os representantes dos países
conseguiram chegar a um acordo na COP27. Foi aprovada a criação de um fundo
histórico de compensação por perdas e danos provocados pela mudança climática.
AFP Português_Youtube
Pode
até parecer clichê, e que seja mesmo. Pouco importa isso aqui. Mas a verdade é
que, por questões convenientes e manutenção de modelos e da possibilidade até
mesmo a retrocessos, o documento final consensuado pelos países participantes
da COP27, ainda que considerado histórico, não trouxe significativos avanços,
ainda que se tenham ampliadas as oportunidades de novos atores participarem da
conferência, e de um arremedo de fundo de compensações ter sido aludido no corpo
do texto final.
Ao
que parece, incertezas causadas principalmente pela redução de fornecimento de
gás à Europa, por parte da Rússia, e pelos rumos que ainda poderão tomar o
conflito armado no leste europeu, fizeram com que representantes de nações
normalmente protagonistas e contundentes em seus discursos a favor do fim do
uso de combustíveis fósseis, se apresentassem mais moderados e em alguns casos
até condescendentes com o que decidiram chamar de contingenciamento energético
de urgência. Ou seja, mandaram um recado claro ao mundo, de que mantêm suas
convicções teóricas, mas agirão, na prática, na direção de atenderem suas
necessidades mais prementes, ainda que contragosto.
Aos
países menos poluidores do planeta, porém não menos atingidos por seus efeitos,
sobrou a reclamação contumaz de que sua gente sofre em uma escalada crescente,
com os resultados danosos do desequilíbrio climático que se impõe planeta afora,
consequências essas que o Secretário Geral da ONU, António Guterres, chamou de
inferno climático; tradução mais próxima e corajosa da realidade que já se
abate sobre toda a Terra a olhos vistos.
Houve
avanços? Sim, claro. E poderíamos relacioná-los aqui, sem qualquer prejuízo à
nossa avaliação geral do evento. Acontece que precisamos de foco na
argumentação direta, e nos dispersarmos em análises outras, nos faria enfraquecer
o ponto principal dessa análise, que é a percepção clara de que, para as
principais nações líderes no cenário mundial, em termos de uso de modelos
energéticos, farinha pouca meu pirão primeiro. Ou seja, em que pesem
todas as consequências negativas do uso continuado e eventualmente crescente de
combustíveis fósseis, se essa for a alternativa mais imediata e exequível para
suas demandas nacionais, não hesitarão em utilizarem delas.
Naturalmente
nenhum representante disse isso abertamente. Provavelmente nem mesmo à
boca-miúda. Nem esperávamos que o fizessem. A tradução mais nítida dessa
realidade, porém, é a dificuldade em se elaborar um documento final, que
pudesse amarrar tais lideranças em um compromisso sério e efetivo, com ações
diretas, resultados efetivos e benéficos inegáveis ao mundo. Claro, ninguém
quer ser apontado como vilão do planeta, ou ainda descumpridor de um acordo
internacional. Logo, fica o dito pelo não dito. Ou como diria minha avó,
tudo bom e nada presta. O final do evento foi adiado com vistas a
elaboração de um acordo final que, na prática, não passou de um copia e cola
do documento redigido na COP anterior. O que faltou?
Ah,
sim! O texto fala sobre uma compensação financeira aos países pobres mais
prejudicados pelo desequilíbrio climático, através de um fundo internacional a
ser constituído; É verdade. Porém não passou disso. O texto não avança
apontando o quanto, o quando e muito menos o como,
efetivamente tais valores poderão ser calculados, repassados e utilizados para
minimizar os danos causados pelas tragédias climáticas às nações mais pobres. Ou
seja, o bolso segue como a parte do corpo humano que mais dói na
consciência. Que pena.
Tudo
considerado, seguiremos na luta por um modelo energético sustentável, nos
esforçando em demonstrar que soluções aparentemente simples e equivocadamente
entendidas como menos ofensivas, como é o caso do gás natural, longe disso,
poderão não apenas nos manter sobre os trilhos de uma ruína climática iminente,
mas também nos devolver a práticas e modelos vencidos, ainda mais poluentes e de
resultados ainda mais catastróficos.
Não
é sem razão que vimos falando constantemente sobre a necessidade urgente de uma
transição energética limpa e sustentável. O mundo não comporta mais paliativos.
Ou partimos para soluções eficazes e promissoras, com vistas a recuperação de
nossa capacidade de geração permanente de energia, com equilíbrio climático
real e definitivo, passando por manutenção inteligente de toda a cadeia
produtiva com aumento de oportunidades e igualdade de acesso energético a
todos, ou apenas multiplicaremos o que já temos, inventando a cada evento, nova
racionalização narrativa, com vistas a justificarmos juntos às futuras gerações,
nossa inaptidão e incompetência, em deixar um mundo menos insustentável e
desigual.
Sim,
porque se para solucionarmos dificuldades que se apresentam hoje, pensarmos
sempre em recorrer a usos do passado, completamente descontextualizados
e anacrônicos, apenas por conveniência, logo nos veremos enchendo lamparinas
com óleo de baleia, queimando carvão, e caminhando a passos largos para nossa
própria extinção. Que ninguém nos leia, hein, Moby Dick.