sábado, 22 de junho de 2019

Para bandido esperto, justiça sagaz


Por Jânsen Leiros Jr.


...O juiz já tinha condenado o Lula muito antes de dar a sentença. Na verdade, foi uma caçada, não um julgamento. Não acho o Lula nenhum santo. Mas está claro que o Moro também não é.

(Comentário em uma rede social, sobre o vazamento das conversas entre Sérgio Moro e MPF, divulgadas pelo site The Intercept)


Pouco importa se ‘Lula já estava condenado antes’ e que ‘houve uma cassada’; falamos do juízo de valor do comentário, e não da hipotética condição em si, claro. Todos sabiam de seus crimes. Todos sabiam de sua corrupção. Só não sabiam como pegar, como sustentar uma acusação. Como oferecer uma denúncia consistente. O trabalho deles foi direcionado a pegar o bandido de alguma forma. Com o que encontrassem, capaz de o incriminar.

Não se pode esquecer que o crime de corrupção é um dos mais difíceis de ser apanhado. Não há recibo de propina, não há movimentação bancária relevante ou nominal, não há nada que comprove cabalmente o crime. Trabalha-se, nesses casos, com indícios e a montagem de um quebra cabeça que conduz a um ‘leva a crer’ ou ao ‘tudo indica’. Tal, no entanto, não torna o delinquente inocente. Apenas demonstra o quão bem montado foi o mecanismo que viabiliza o crime.

Então as chamadas provas circunstâncias surgem ao longo do processo de investigação. Como um carro comprado com cheque de doleiro, obras em apartamentos e sítios pagas por empreiteiras “vencedoras” em licitações públicas, propriedades em nome de amigos, patrimônio incompatível com o histórico de remuneração regular, pagamento de palestras jamais realizadas, e por aí vai. Isolados, nenhum desses fatos são prova. No conjunto da obra, no entanto, notabilizam-se procedimentos corruptos que promovem tais vantagens.

Ora, alguém consegue puxar todas essas pontas do emaranhado processo de corrupção, sem organizar minimamente as frentes de atuação? E mais, não se pode esquecer, que não se estava tentando encontrar provas de um corrupto pé de chinelo qualquer, de um órgão público em uma cidadezinha do interior. Estavam lidando com um ex-presidente e com membros dos mais altos escalões da máquina pública brasileira. Pessoas que possuíam e que de certa forma ainda possuem fortes esquemas de aparelhamento do Estado, capazes de agir em larga amplitude, com poucos movimentos. Nessa escala de crimes, as falhas em um sistema de corrupção, se existem, são mínimas, e jamais os indícios são conclusivos por si mesmos. E quem ousa tocar nos poderosos?

Vale lembrar do caso de Capone, nos EUA, nos anos da Lei Seca. Esse criminoso liderou uma das mais violenta máfias já existentes no país. Todos sabiam que ele era o cabeça. Todos sabiam que ele era o mandante de centenas de mortes, cobranças de comissão, explosões, corrupções, e toda sorte de crime que se fizesse necessário, para a manutenção do império mafioso que havia montado. Era difícil pegar esse miserável. Ele vivia envolvido com a alta sociedade de Chicago, tinha amizade com poderosos políticos locais. Subornava policiais, secretários, promotores e juízes indiscriminadamente. Foi preciso chamar um agente de outra região, provavelmente fora do alcance de seus tentáculos corruptores, para tentarem pegar o indivíduo. A força tarefa que o pegou não tinha como prendê-lo pelos crimes que se sabia cometer. Foram buscar o contador da organização criminosa, e o acusaram de sonegação fiscal. E ainda assim, durante seu julgamento, foi necessário empreender ‘manobras’ judiciais para garantir lisura no processo, mantendo juízes e jurados longe dos subornos vantajosos daquele crápula. Poderíamos citar outros casos na história, mas vamos ficar com esse que já é bem emblemático.

Portanto, sim. Quando se lida com níveis extremos de crime bem estruturados e arraigados nos diversos níveis da máquina pública e das conveniências sociais, é preciso extrapolar os movimentos tradicionais com os quais o criminoso já conta, e agir adiante dele, à frente de sua capacidade de prever o movimento dos braços da lei. Como acontece com um criminoso em fuga. Ele dirige na contramão, ele atira em inocentes enquanto corre, ele derruba coisas, tudo para desviar a atenção de seu perseguidor, tentando retardá-lo e escapar da prisão. Mas quando há foco da autoridade policial que o persegue, então ela também avança na contramão, não se detém para socorrer o inocente atingido, e ainda faz um percurso mais inusitado que o próprio criminoso, apanhando-o adiante, por cercá-lo em manobra imprevisível e fora do comum. Alguém pode inocentar o criminoso ou invalidar sua prisão, porque o policial em rota de captura entrou pela contramão, passou com sua viatura por cima da calçada, e não parou pra socorrer o inocente atingido pelo bandido?

Temos na história da crônica policial brasileira fatos diversos com esse perfil. Lembro-me de um policial que, disfarçado de repórter, aproximou-se do bandido que mantinha uma pessoa como refém, e sob a mira de seu revólver. Fingindo-se cinegrafista de uma emissora de TV, o policial aproximou-se cuidadosamente e num ato de extrema destreza, desarmou o bandido e liberou a refém. Ora, a prisão se faz nula, uma vez que o policial utilizou de disfarce? Alguém o acusou de falsidade ideológica? O bandido foi inocentado pela forma com que se deu sua prisão? Ou ainda, o policial foi criticado ou considerado suspeito por sua conduta habilidosa com que impediu a morte de uma refém? Não né? Tempos em que a polícia era o herói e o bandido... bandido.

A verdade é que não havia qualquer possibilidade de pegar o criminoso Lula da Silva, se não fosse por processo bem alinhado e tratado nos detalhes, exatamente para que ele não escapasse pelo uso das filigranas processuais. O que tentam aqueles que querem acabar com a Operação Lava Jato, é utilizar o rigor das condutas éticas processuais, sabidamente flexibilizadas na prática, a favor do criminoso e contra a autoridade que o denunciou, e o juiz que o condenou. Mas a verdade, povo brasileiro, que não é possível agir com fofura com bandidos tão espertos, articulados, influentes e poderosos. Para crimes extremos, medidas legais, porém de sagacidade extrema!

Por vícios, virtudes!


Por Jânsen Leiros Jr.

Apesar de todas as coisas pelas quais podemos criticar o uso que se faz da internet em nossos dias, há algumas que são simplesmente maravilhosas. Uma delas, a que considero uma das mais extraordinárias, é a de servir como uma espécie de memória estendida de tudo o que ficou pra trás, ajudando-nos a trazer à lembrança, ditos e feitos que, se não pudessem ser revisitados, seriam apagados pelas falácias urdidas mas atualmente inócuas, daqueles que tentam corromper nossas ideias, dizendo que falaram o que jamais afirmaram, ou negando ter dito, o que ficou registrado como fala em favor de suas conveniente.

Aos que se acostumaram ao uso descabido e ilimitado do cinismo e da desfaçatez, na tentativa de se desvencilhar de suas responsabilidades, a internet funciona como uma espécie de consciência que os persegue, sussurrando ao seus ouvidos, e lembrando que a negação dos fatos, pode até mesmo ser entendida, por condescendência, como demência, mas jamais impedirá a opinião pública de ser confrontada com a verdade. Afinal, contra fatos, vídeos e áudios não há argumento. Há “sambarilovis”, engambelações e “migues”, mas esses funcionam cada vez menos.

Quando a gritaria sobre as conversas entre Sérgio Moro e Deltan surgiram na mídia dias atrás, parecia que todos os delitos cometidos por Lula e sua gangue haviam sumido do mundo, e uma espeça nuvem de inocência descera sobre suas cabeças. Quase que os tornando santos injustiçados, políticos perseguidos, probos e de reputação inatacável, como inclusive gosta de afirmar Lula sobre si mesmo, o mais honesto ser humano da terra.

O vídeo que você pode assistir abaixo, nos faz relembrar as verdadeiras razões pelas quais esse séquito de criminosos está presa, e porque foi preciso tanto empenho da força tarefa da Lava Jato, em encontrar indícios de corrupção, e ainda porque precisou utilizar-se do instituto da delação premiada, na montagem desse emaranhado quebra cabeça de favorecimentos, superfaturamentos, financiamentos indevidos, e outras formas que engendraram para drenarem os cofres públicos.

Ora, como se costuma dizer, “não existe recibo de propina”. E a menos que o criminoso seja tomado por um espírito de confissão incondicional e irresistível, jamais existirá prova material contundente que caracterize inquestionável delito, como alegam esperneando as defesas dos respectivos criminosos. Podemos até suspeitar que, ainda assim, dado o cinismo e a cara de pau dessa gente, ainda que alguma filmagem nítida e inquestionável os flagrasse no próprio ato ilícito, diriam não se lembrar do fato, alegando estarem possuídos por um demônio qualquer da ganância, se autodeclarando inocentes e inimputáveis. Adélio Bispo e seus advogados não nos deixam mentir.

Nesse mesmo vídeo, o apresentador do telejornal da Globo reproduz o conteúdo da carta de desfiliação ao PT escrita por Antônio Palocci, que entre outros históricos serviços prestados ao partido e às candidaturas de seus expoentes, foi ministro da Fazenda, e participava da cúpula decisória do PT. Ora, será que ele fala sem conhecimento de causa sobre as maracutaias que vivenciou e das quais fez parte? Ou será que se trata apenas de vingança de sua parte, por ter sido abandonado pelo comando do partido, que considerou que o sacrifício isolado do companheiro, era um efeito colateral aceitável, diante de uma causa maior e mais nobre; o projeto de poder do próprio PT e seus mancomunados?

Palocci faz uma leitura precisa da realidade e uma descrição am-pla da anatomia da perda de rumo do partido, e de como deixou de ser a esperança nacional para quem convergiram votos de confiança, para se transformar na mais deplorável decepção política, e a demonstração clara de como o poder é capaz de corromper os que estão ávidos para dele se servir, na ânsia por atender suas particulares conveniências, longe dos interesses nacionais.

Sim, Deltan e Moro se falavam. Ainda bem. Isso evitou que o processo se fragilizasse por qualquer inconsistência, tornando-se vulnerável diante de manobras jurídicas tendenciosas, permitindo que esses bandidos escapassem dos braços da lei. Quanto mais lemos o conteúdo das mensagens trocadas, mais nos convencemos de que fizeram mesmo a coisa mais certa que poderiam fazer. Todo empenho vale a pena, quando a luta contra o crime não é pequena.