segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Ninguém se comprometeu com nada ou Mais do mesmo

Por Jânsen Leiros Jr.

 

 

Após horas de atraso, os representantes dos países conseguiram chegar a um acordo na COP27. Foi aprovada a criação de um fundo histórico de compensação por perdas e danos provocados pela mudança climática.

AFP Português_Youtube

 

Pode até parecer clichê, e que seja mesmo. Pouco importa isso aqui. Mas a verdade é que, por questões convenientes e manutenção de modelos e da possibilidade até mesmo a retrocessos, o documento final consensuado pelos países participantes da COP27, ainda que considerado histórico, não trouxe significativos avanços, ainda que se tenham ampliadas as oportunidades de novos atores participarem da conferência, e de um arremedo de fundo de compensações ter sido aludido no corpo do texto final.

Ao que parece, incertezas causadas principalmente pela redução de fornecimento de gás à Europa, por parte da Rússia, e pelos rumos que ainda poderão tomar o conflito armado no leste europeu, fizeram com que representantes de nações normalmente protagonistas e contundentes em seus discursos a favor do fim do uso de combustíveis fósseis, se apresentassem mais moderados e em alguns casos até condescendentes com o que decidiram chamar de contingenciamento energético de urgência. Ou seja, mandaram um recado claro ao mundo, de que mantêm suas convicções teóricas, mas agirão, na prática, na direção de atenderem suas necessidades mais prementes, ainda que contragosto.

 Aos países menos poluidores do planeta, porém não menos atingidos por seus efeitos, sobrou a reclamação contumaz de que sua gente sofre em uma escalada crescente, com os resultados danosos do desequilíbrio climático que se impõe planeta afora, consequências essas que o Secretário Geral da ONU, António Guterres, chamou de inferno climático; tradução mais próxima e corajosa da realidade que já se abate sobre toda a Terra a olhos vistos.

Houve avanços? Sim, claro. E poderíamos relacioná-los aqui, sem qualquer prejuízo à nossa avaliação geral do evento. Acontece que precisamos de foco na argumentação direta, e nos dispersarmos em análises outras, nos faria enfraquecer o ponto principal dessa análise, que é a percepção clara de que, para as principais nações líderes no cenário mundial, em termos de uso de modelos energéticos, farinha pouca meu pirão primeiro. Ou seja, em que pesem todas as consequências negativas do uso continuado e eventualmente crescente de combustíveis fósseis, se essa for a alternativa mais imediata e exequível para suas demandas nacionais, não hesitarão em utilizarem delas.

 Naturalmente nenhum representante disse isso abertamente. Provavelmente nem mesmo à boca-miúda. Nem esperávamos que o fizessem. A tradução mais nítida dessa realidade, porém, é a dificuldade em se elaborar um documento final, que pudesse amarrar tais lideranças em um compromisso sério e efetivo, com ações diretas, resultados efetivos e benéficos inegáveis ao mundo. Claro, ninguém quer ser apontado como vilão do planeta, ou ainda descumpridor de um acordo internacional. Logo, fica o dito pelo não dito. Ou como diria minha avó, tudo bom e nada presta. O final do evento foi adiado com vistas a elaboração de um acordo final que, na prática, não passou de um copia e cola do documento redigido na COP anterior. O que faltou?

Ah, sim! O texto fala sobre uma compensação financeira aos países pobres mais prejudicados pelo desequilíbrio climático, através de um fundo internacional a ser constituído; É verdade. Porém não passou disso. O texto não avança apontando o quanto, o quando e muito menos o como, efetivamente tais valores poderão ser calculados, repassados e utilizados para minimizar os danos causados pelas tragédias climáticas às nações mais pobres. Ou seja, o bolso segue como a parte do corpo humano que mais dói na consciência. Que pena.

 Tudo considerado, seguiremos na luta por um modelo energético sustentável, nos esforçando em demonstrar que soluções aparentemente simples e equivocadamente entendidas como menos ofensivas, como é o caso do gás natural, longe disso, poderão não apenas nos manter sobre os trilhos de uma ruína climática iminente, mas também nos devolver a práticas e modelos vencidos, ainda mais poluentes e de resultados ainda mais catastróficos.

Não é sem razão que vimos falando constantemente sobre a necessidade urgente de uma transição energética limpa e sustentável. O mundo não comporta mais paliativos. Ou partimos para soluções eficazes e promissoras, com vistas a recuperação de nossa capacidade de geração permanente de energia, com equilíbrio climático real e definitivo, passando por manutenção inteligente de toda a cadeia produtiva com aumento de oportunidades e igualdade de acesso energético a todos, ou apenas multiplicaremos o que já temos, inventando a cada evento, nova racionalização narrativa, com vistas a justificarmos juntos às futuras gerações, nossa inaptidão e incompetência, em deixar um mundo menos insustentável e desigual.

 Sim, porque se para solucionarmos dificuldades que se apresentam hoje, pensarmos sempre em recorrer a usos do passado, completamente descontextualizados e anacrônicos, apenas por conveniência, logo nos veremos enchendo lamparinas com óleo de baleia, queimando carvão, e caminhando a passos largos para nossa própria extinção. Que ninguém nos leia, hein, Moby Dick.