terça-feira, 22 de outubro de 2024

Normalização da corrupção: A ética em perigo!


 Por Jânsen Leiros Jr. 

 "De tanto ver prosperar a desonestidade, o homem honesto desanima; e, de tanto ver triunfar a mentira, chega-se a duvidar da verdade." - Rui Barbosa

 "A desonestidade é um vício que se multiplica e se contagia; e quem não se opuser a ela, se tornará seu cúmplice." - Rui Barbosa na abertura do Senado, em 1930, e é uma reflexão sobre a corrupção e a responsabilidade individual na luta contra a desonestidade.

 "A corrupção não é apenas um crime; é um crime que mata a esperança." - Mario Vargas Llosa; Esta frase discute a corrupção como um problema que afeta a confiança e a esperança nas sociedades.

 "A desonestidade é como uma bola de neve: quanto mais rola, maior se torna." - Henry Ward Beecher; essa citação reflete a ideia de que a desonestidade tende a se espalhar e se intensificar.

 "Um país é respeitado pela honestidade de seus cidadãos." – Confúcio; reflete o valor da honestidade na construção da integridade de uma nação.

 "A verdade pode ser ofuscada, mas não será jamais vencida." - Victor Hugo

 

Vivemos em um tempo onde a ética e a honestidade parecem ser cada vez mais desconsideradas em um mundo dominado por interesses pessoais e pragmatismos egoístas. A corrupção, que um dia foi vista como uma mancha na integridade social, agora é frequentemente tratada como uma norma aceitável, um mal necessário com que todos, de alguma forma, aprendemos a conviver. Essa normalização da desonestidade gera um ciclo vicioso que contamina nossas relações pessoais, comerciais e até institucionais. O que poderia ser um mero deslize moral transforma-se em um comportamento corriqueiro, e, como resultado, a confiança nas relações humanas se esvai.

É urgente, portanto, olharmos para as raízes desse desvio ético e entendermos como, ao longo da história, diversas correntes de pensamento buscaram justificar ou minimizar a importância da moralidade em nossas vidas. Precisamos resgatar a reflexão crítica e a indignação diante da desonestidade, pois a ética não é um mero detalhe, mas o alicerce de uma sociedade justa e íntegra.

Assim, iniciaremos nossa tarefa compondo um retrato dessa realidade, de modo a nos permitir, na sequência, trabalhar com as hipóteses e sugestões de ações dirigidas e necessárias.

A Falta de Ética e Moralidade

A ética parece ter se dissipado, dando lugar a uma cultura de impunidade. Como já dizia o filósofo alemão Immanuel Kant, "A moralidade não é um conceito isolado; é uma estrutura que sustenta a sociedade." Quando comportamentos antiéticos se tornam a norma, a moralidade coletiva se fragiliza. A desvalorização da ética na vida cotidiana é um dos principais combustíveis que alimentam essa engrenagem de fraudes e corrupção. Em uma sociedade onde a ética é relegada a um segundo plano, a confiança entre indivíduos e instituições é erodida, e os laços sociais se tornam frágeis.

É fundamental compreender que a ética não é apenas um conjunto de regras a ser seguido; ela é um reflexo da cultura de um povo. Quando a ética é negligenciada, cria-se um espaço onde a mentira e a manipulação se tornam estratégias aceitáveis para alcançar objetivos pessoais. Essa distorção de valores gera um ciclo vicioso, onde a cada dia mais indivíduos se sentem justificados a agir de forma antiética, perpetuando comportamentos que, a longo prazo, corroem a própria essência da sociedade.

A crise ética que vivemos se reflete não apenas nas ações individuais, mas também nas estruturas institucionais. A falta de transparência e responsabilidade em órgãos públicos e empresas cria um ambiente propício para a corrupção. Como disse o filósofo Michel Foucault, "O poder não é uma coisa, mas uma relação." Essa relação se torna distorcida quando a ética é deixada de lado, permitindo que interesses pessoais prevaleçam sobre o bem comum.

Insegurança Jurídica

A insegurança jurídica é um fator crucial nesse cenário, contribuindo para a perpetuação de comportamentos corruptos. O sociólogo Zygmunt Bauman fala sobre a "liquidez" das instituições modernas, que tornam as regras e leis instáveis e muitas vezes ineficazes. A fragilidade das instituições jurídicas faz com que muitos brasileiros sintam que a justiça não é acessível ou igualitária. Quando as pessoas percebem que a justiça não é cega, mas sim um reflexo da desigualdade social e econômica, a tendência é que busquem soluções próprias, ainda que ilegais.

Além disso, a lentidão dos processos judiciais e a morosidade das investigações alimentam um clima de impunidade. Quando as consequências de ações ilegais demoram a se materializar, o comportamento corrupto é reforçado. A sensação de que "nada vai acontecer" pode ser uma motivação poderosa para quem considera cruzar a linha. É nesse contexto que se torna necessário discutir a importância de uma reforma que não apenas agilize os processos, mas também fortaleça a confiança na justiça.

Essa insegurança também é alimentada por um sistema que parece proteger mais os poderosos do que os cidadãos comuns. A percepção de que grandes figuras conseguem escapar das punições alimenta a frustração e o cinismo. Como advertiu o filósofo Hannah Arendt, “a banalidade do mal” pode se manifestar quando as injustiças se tornam comuns e as pessoas aceitam a corrupção como parte da vida cotidiana.

Desigualdade Social

A desigualdade social que permeia a sociedade brasileira é outro fator que impulsiona a corrupção. O filósofo e economista Karl Marx enfatizava que "a luta de classes é a força motriz da história." Quando a disparidade econômica é tão gritante, alguns indivíduos veem no crime uma maneira de alcançar o que lhes parece justo, ou até mesmo uma forma de sobrevivência. Essa luta pela sobrevivência se transforma em um ciclo de ações que corroem os princípios éticos, levando à normalização do crime como uma resposta a condições opressivas.

Essa desigualdade não se manifesta apenas em termos de renda, mas também em acesso a oportunidades e serviços básicos. A falta de educação, saúde e emprego dignos gera um ambiente onde a corrupção pode ser vista como uma opção viável para muitos. O sociólogo Pierre Bourdieu destacou a importância do "capital simbólico", referindo-se à maneira como a posição social de um indivíduo pode influenciar suas oportunidades e a percepção de seu valor na sociedade. Quando o acesso a esse capital é restrito, a tentação de buscar alternativas ilegais para ascender na hierarquia social aumenta.

Além disso, o desespero econômico pode levar à conformidade com comportamentos corruptos, onde a sobrevivência diária se sobrepõe a considerações éticas. A percepção de que a corrupção é uma "opção válida" para escapar da pobreza cria um ciclo perigoso, perpetuando a ideia de que a ética é um luxo que poucos podem se dar ao direito.

Tecnologia e Vulnerabilidades

Com o advento da tecnologia, novos tipos de fraudes emergem, aproveitando a falta de educação digital da população. Como observa a filósofa Byung-Chul Han, "A sociedade do desempenho não tolera fraquezas." A pressão para se destacar, combinada com a facilidade de acesso à informação, cria um terreno fértil para a desonestidade. Essa nova realidade digital traz desafios e vulnerabilidades que são frequentemente explorados por golpistas, levando a um aumento dos casos de fraudes online.

A tecnologia, enquanto ferramenta poderosa, pode ser uma faca de dois gumes. A interconexão e a facilidade de comunicação propiciam a disseminação de informações, mas também criam um ambiente propício para a desinformação e os golpes. Isso se torna ainda mais problemático em um país como o Brasil, onde a educação digital é muitas vezes precária. A falta de conhecimento sobre segurança online torna a população vulnerável e suscetível a fraudes.

Além disso, a rápida evolução tecnológica pode criar um hiato entre aqueles que se adaptam a essas mudanças e aqueles que ficam para trás. Esse abismo digital pode exacerbar a desigualdade social e econômica, fazendo com que os menos favorecidos sejam ainda mais explorados. Como disse o filósofo Marshall McLuhan, "O meio é a mensagem." A maneira como utilizamos a tecnologia molda nosso comportamento, e quando essa tecnologia é mal utilizada, as consequências podem ser devastadoras.

Cultura do Jeitinho

A famosa "cultura do jeitinho brasileiro" também é uma questão central nesse debate. O sociólogo Roberto DaMatta nos lembra que "o jeitinho é um modo de vida, uma forma de contornar regras." Quando a criatividade para driblar as normas se transforma em um valor, a ética se dissolve, e o comportamento corrupto se torna não apenas aceitável, mas até admirado. Essa mentalidade alimenta a ideia de que encontrar brechas na lei é uma habilidade, não uma transgressão.

Essa cultura do jeitinho é um reflexo de uma sociedade que, por vezes, se sente impotente diante de instituições que parecem distantes e ineficazes. A capacidade de contornar regras, de "dar um jeito", pode ser vista como uma forma de resistência em um sistema que não oferece soluções adequadas. No entanto, essa mesma resistência pode criar um ciclo vicioso onde a corrupção se torna uma prática comum e esperada, desvalorizando a ética e a responsabilidade social.

Além disso, o jeitinho brasileiro não é apenas uma questão de comportamento individual, mas também um reflexo de um sistema que muitas vezes falha em proporcionar alternativas éticas viáveis. Quando as regras são percebidas como injustas ou desatualizadas, a tentação de burlar essas regras se torna uma escolha “racional” para muitos. Essa complexidade torna a cultura do jeitinho um fenômeno profundamente enraizado e difícil de erradicar, exigindo um esforço conjunto para reverter essa lógica.

Influência de Líderes

A liderança, tanto política quanto empresarial, tem um papel crucial na formação de valores sociais. O filósofo Hannah Arendt alertava para o "banal do mal", onde a normalização de comportamentos antiéticos por líderes pode influenciar a sociedade como um todo. Se aqueles que ocupam posições de destaque não pautam suas ações pela integridade, como esperar que as massas ajam de forma diferente? Essa desconexão entre líderes e a população gera uma desilusão que contribui para a falta de confiança nas instituições.

Quando líderes se envolvem em práticas corruptas ou falham em prestar contas de suas ações, isso gera um efeito cascata. A percepção de que a corrupção é uma prática comum entre os poderosos faz com que a população se sinta desencorajada a agir de maneira ética. A filósofa Judith Butler nos lembra que a "ação ética" é uma responsabilidade compartilhada, e quando líderes falham nesse aspecto, todos são afetados.

A influência de líderes éticos é, portanto, essencial para a construção de uma cultura de integridade. Eles devem não apenas se comportar de maneira ética, mas também criar um ambiente onde a ética é valorizada e recompensada. A responsabilidade não recai apenas sobre os indivíduos, mas sobre aqueles que lideram e moldam as normas sociais.

Falta de Educação e Conscientização

Por fim, a falta de educação e conscientização sobre direitos e deveres cívicos é um grande obstáculo à construção de uma sociedade mais ética. Platão já afirmava que "a educação é a melhor provisão para a velhice." Investir na formação ética desde a infância é essencial para reverter esse cenário, pois sem uma base sólida de ética e moral, mudanças significativas se tornam difíceis. Uma população educada e consciente é menos propensa a aceitar comportamentos corruptos e mais inclinada a exigir responsabilidade.

A educação deve ir além do conhecimento acadêmico; ela deve incluir a formação moral e cívica, preparando os cidadãos para compreenderem suas responsabilidades em uma democracia. Isso significa ensinar não apenas sobre direitos, mas também sobre deveres e a importância de uma sociedade ética. A filósofa Martha Nussbaum defende a "educação para a cidadania", onde a formação de valores éticos é fundamental para o desenvolvimento de cidadãos críticos e responsáveis.

Além disso, a conscientização sobre os impactos da corrupção e dos comportamentos antiéticos deve ser uma prioridade. Campanhas educativas que abordem as consequências da corrupção e promovam a transparência podem ajudar a moldar uma nova geração de cidadãos mais comprometidos com a ética e a justiça social. Essa transformação não ocorrerá da noite para o dia, mas um compromisso contínuo com a educação ética pode ser o primeiro passo para um futuro mais íntegro.

Conclusão

                O que estamos vivendo hoje é mais do que uma crise passageira; trata-se de um profundo colapso moral que afeta todas as esferas da nossa sociedade. A corrupção e o desvio de conduta não são apenas consequências isoladas, mas sintomas de um sistema em ruínas. É imperativo que promovamos uma verdadeira revolução cultural, onde a ética e a integridade não sejam exceções, mas fundamentos inegociáveis. Precisamos fortalecer urgentemente nossas instituições e garantir que as leis sejam aplicadas de maneira implacável e justa, para todos. Apenas assim poderemos restaurar a confiança perdida e, mais do que isso, reacender o valor da ética em nosso cotidiano. Este é um chamado à ação coletiva, à reconstrução do tecido moral de nossa nação. O futuro depende da nossa capacidade de enfrentar esse desafio com coragem e determinação.

sábado, 28 de setembro de 2024

Fim das eleições. De volta ao presente possível e real

Por Jânsen Leiros Jr.

 "A democracia é o processo que garante que não sejamos governados melhor do que merecemos." - Bertrand Russell

Com ironia, Russell sugere que o estado do governo reflete a qualidade de participação e engajamento do povo, e, implicitamente, a apatia ou indiferença dos eleitores pode resultar em líderes que não os inspiram.

"Uma pessoa não pode, sem degradar-se, consentir em ser governada por um poder que considera ilegítimo." - Simone Weil

Weil destaca a questão da legitimidade, sugerindo que, quando os eleitores veem o processo eleitoral ou os candidatos como ilegítimos, eles acabam desiludidos e apáticos em relação à política.

"O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam." - José Ortega y Gasset

Ortega y Gasset sugere que a apatia tem consequências graves, pois ela permite que indivíduos menos capacitados ou pouco inspiradores ocupem cargos de poder.

"A apatia dos cidadãos em uma democracia é uma porta aberta para a tirania." - Alexis de Tocqueville

Tocqueville alerta para os perigos da apatia generalizada, que pode minar os alicerces da democracia e facilitar a ascensão de regimes autoritários.

"A única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada." - John Stuart Mill

Mill destaca a passividade e a inércia como condições que permitem a degradação moral e política de uma sociedade, apontando indiretamente para a apatia dos eleitores como um fator que perpetua maus líderes.

"A política é um jogo cujo resultado depende daqueles que não jogam." - Pierre Bourdieu

Bourdieu critica o desinteresse dos cidadãos pela política, sugerindo que essa indiferença acaba determinando os resultados eleitorais, favorecendo os políticos que têm controle sobre os que participam.

Estamos chegando ao fim de mais um período eleitoral. Talvez em algumas capitais ainda haja um segundo turno, mas em grande parte do Brasil, a "festa" das campanhas logo chegará ao fim. Para muitos, especialmente aqueles que encontram uma fonte temporária de renda nesse período, como publicitários, coordenadores de campanha, cabos eleitorais e pequenos empresários, o fim das eleições significa o retorno à realidade, o fim do "bônus" sazonal, da renda extra que as campanhas oferecem.

Para nós, "pobres mortais" — aqueles que estão do lado de cá das telinhas, sejam da TV ou do celular, que assistimos a esse espetáculo de promessas e devaneios — o fim desse circo eleitoral é quase um alívio. Afinal, quem aguenta mais jingles repetitivos, frases feitas e slogans vazios? São semanas em que nossa rotina é interrompida por discursos que, na maioria das vezes, não falam nada com nada, ou sequer nos conectam com algo relevante ou mesmo aproveitável.

O jogo político sempre nos empurra para uma falsa dicotomia. De um lado, os que dizem que tudo vai bem, que o progresso está em marcha, e que só falta um "pouquinho mais" para atingirmos a condição perfeita de funcionamento de toda a estrutura pública. Do outro lado, estão os que pintam o cenário como se estivéssemos à beira do apocalipse, afundados em um abismo cujo escape depende deles — e só por eles. E a nós, no meio dessa guerra de narrativas, resta o cansaço e uma certa frustração, como se fôssemos obrigados a escolher entre o ruim e o menos pior. Nesse cenário, a apatia se instala. Talvez os números de abstenções, votos nulos e votos em branco nas últimas cinco eleições municipais traduzam essa realidade. 

Fonte: TSE; produção gráfica Data Link Web/Ipeges

O que me incomoda — e acredito que incomoda muitos de vocês igualmente — é que as campanhas políticas são, em sua maioria, movimentos meramente oportunistas. Muitos candidatos enxergam a política como uma máquina para se locupletar, buscando acessar a estrutura pública para atender seus próprios interesses, ou ainda interesses de grupos organizados em diversos setores da sociedade. A retórica bem pensada é apenas uma fachada atraente. É claro que não devemos ser injustos: existem aqueles que realmente querem algo melhor para suas cidades e que têm compromisso genuíno com suas comunidades. Eu mesmo conheço alguns. Mas, convenhamos, são poucos. Muito menos do que deveria. Identificá-los não é tarefa fácil.

Nosso papel, enquanto eleitores, por mais cansados e desiludidos que estejamos, é o de saber separar o joio do trigo. Em meio a esse mar de candidatos, precisamos ser cirúrgicos. Identificar aqueles que realmente se preocupam com o bem-estar coletivo, com o futuro das nossas cidades e, entre eles, escolher quem mais se aproxima dos nossos valores e da nossa visão de mundo.

A grande lição, olhando para as frases que abrem este texto, é que o voto não é, e nem pode ser, apenas uma obrigação civil. É, antes, uma enorme e necessária responsabilidade. Não se trata de acertar na escolha do candidato perfeito — porque ele, provavelmente, nem existe — mas de exercer esse direito com consciência, com a motivação certa, pensando no que realmente importa para a nossa cidade, para a nossa família, para o nosso cotidiano. Entendendo que a pretensa isenção, nesse processo, não existe. Quer queiramos, quer não, até mesmo nosso eventual não envolvimento interfere no resultado das urnas, e, consequentemente, na realidade do lugar em que vivemos.

                Que, ao depositarmos nosso voto na urna, possamos fazê-lo com a plena certeza de que estamos cumprindo nosso dever cívico da maneira mais honesta possível, e com um olhar atento para o futuro de todos nós... de todos!