Por Jânsen Leiros Jr.
...O juiz já tinha condenado o Lula muito antes de dar a sentença.
Na verdade, foi uma caçada, não um julgamento. Não acho o Lula nenhum santo.
Mas está claro que o Moro também não é.
(Comentário em uma rede social, sobre o vazamento
das conversas entre Sérgio Moro e MPF, divulgadas pelo site The Intercept)
Pouco importa se ‘Lula já estava
condenado antes’ e que ‘houve uma cassada’; falamos do juízo de
valor do comentário, e não da hipotética condição em si, claro. Todos sabiam de
seus crimes. Todos sabiam de sua corrupção. Só não sabiam como pegar, como
sustentar uma acusação. Como oferecer uma denúncia consistente. O trabalho
deles foi direcionado a pegar o bandido de alguma forma. Com o que
encontrassem, capaz de o incriminar.
Não se pode esquecer que o crime de
corrupção é um dos mais difíceis de ser apanhado. Não há recibo de propina, não
há movimentação bancária relevante ou nominal, não há nada que comprove
cabalmente o crime. Trabalha-se, nesses casos, com indícios e a montagem de um
quebra cabeça que conduz a um ‘leva a crer’ ou ao ‘tudo indica’.
Tal, no entanto, não torna o delinquente inocente. Apenas demonstra o quão bem
montado foi o mecanismo que viabiliza o crime.
Então as chamadas provas circunstâncias
surgem ao longo do processo de investigação. Como um carro comprado com cheque
de doleiro, obras em apartamentos e sítios pagas por empreiteiras “vencedoras”
em licitações públicas, propriedades em nome de amigos, patrimônio incompatível
com o histórico de remuneração regular, pagamento de palestras jamais
realizadas, e por aí vai. Isolados, nenhum desses fatos são prova. No conjunto
da obra, no entanto, notabilizam-se procedimentos corruptos que promovem tais
vantagens.
Ora, alguém consegue puxar todas essas
pontas do emaranhado processo de corrupção, sem organizar minimamente as frentes
de atuação? E mais, não se pode esquecer, que não se estava tentando encontrar
provas de um corrupto pé de chinelo qualquer, de um órgão público em uma
cidadezinha do interior. Estavam lidando com um ex-presidente e com membros dos
mais altos escalões da máquina pública brasileira. Pessoas que possuíam e que
de certa forma ainda possuem fortes esquemas de aparelhamento do Estado,
capazes de agir em larga amplitude, com poucos movimentos. Nessa escala de
crimes, as falhas em um sistema de corrupção, se existem, são mínimas, e jamais
os indícios são conclusivos por si mesmos. E quem ousa tocar nos poderosos?
Vale lembrar do caso de Capone, nos EUA,
nos anos da Lei Seca. Esse criminoso liderou uma das mais violenta máfias já
existentes no país. Todos sabiam que ele era o cabeça. Todos sabiam que ele era
o mandante de centenas de mortes, cobranças de comissão, explosões, corrupções,
e toda sorte de crime que se fizesse necessário, para a manutenção do império
mafioso que havia montado. Era difícil pegar esse miserável. Ele vivia envolvido
com a alta sociedade de Chicago, tinha amizade com poderosos políticos locais.
Subornava policiais, secretários, promotores e juízes indiscriminadamente. Foi
preciso chamar um agente de outra região, provavelmente fora do alcance de seus
tentáculos corruptores, para tentarem pegar o indivíduo. A força tarefa que o
pegou não tinha como prendê-lo pelos crimes que se sabia cometer. Foram buscar
o contador da organização criminosa, e o acusaram de sonegação fiscal. E ainda
assim, durante seu julgamento, foi necessário empreender ‘manobras’ judiciais
para garantir lisura no processo, mantendo juízes e jurados longe dos subornos
vantajosos daquele crápula. Poderíamos citar outros casos na história, mas
vamos ficar com esse que já é bem emblemático.
Portanto, sim. Quando se lida com níveis
extremos de crime bem estruturados e arraigados nos diversos níveis da máquina
pública e das conveniências sociais, é preciso extrapolar os movimentos
tradicionais com os quais o criminoso já conta, e agir adiante dele, à frente
de sua capacidade de prever o movimento dos braços da lei. Como acontece com um
criminoso em fuga. Ele dirige na contramão, ele atira em inocentes enquanto
corre, ele derruba coisas, tudo para desviar a atenção de seu perseguidor,
tentando retardá-lo e escapar da prisão. Mas quando há foco da autoridade
policial que o persegue, então ela também avança na contramão, não se detém para
socorrer o inocente atingido, e ainda faz um percurso mais inusitado que o
próprio criminoso, apanhando-o adiante, por cercá-lo em manobra imprevisível e
fora do comum. Alguém pode inocentar o criminoso ou invalidar sua prisão,
porque o policial em rota de captura entrou pela contramão, passou com sua
viatura por cima da calçada, e não parou pra socorrer o inocente atingido pelo
bandido?
Temos na história da crônica policial
brasileira fatos diversos com esse perfil. Lembro-me de um policial que,
disfarçado de repórter, aproximou-se do bandido que mantinha uma pessoa como
refém, e sob a mira de seu revólver. Fingindo-se cinegrafista de uma emissora
de TV, o policial aproximou-se cuidadosamente e num ato de extrema destreza,
desarmou o bandido e liberou a refém. Ora, a prisão se faz nula, uma vez que o
policial utilizou de disfarce? Alguém o acusou de falsidade ideológica? O
bandido foi inocentado pela forma com que se deu sua prisão? Ou ainda, o
policial foi criticado ou considerado suspeito por sua conduta habilidosa com
que impediu a morte de uma refém? Não né? Tempos em que a polícia era o herói e
o bandido... bandido.
A verdade é que não havia qualquer
possibilidade de pegar o criminoso Lula da Silva, se não fosse por processo bem
alinhado e tratado nos detalhes, exatamente para que ele não escapasse pelo uso
das filigranas processuais. O que tentam aqueles que querem acabar com a
Operação Lava Jato, é utilizar o rigor das condutas éticas processuais,
sabidamente flexibilizadas na prática, a favor do criminoso e contra a autoridade
que o denunciou, e o juiz que o condenou. Mas a verdade, povo brasileiro, que não
é possível agir com fofura com bandidos tão espertos, articulados,
influentes e poderosos. Para crimes extremos, medidas legais, porém de sagacidade
extrema!