PEIXE EMBRULHADO EM JORNAL DE HOJE
Por Bruno Torturra
Hoje pela manhã, na
quadra da escola vizinha, dirigida por freiras, o hino nacional foi tocado em
altos decibéis. Crianças sob a tutoria católica estavam enfileiradas para uma
cerimônia patriótica. Só posso supor o que escutaram das freiras sobre o significado
da enorme operação policial que levou Lula para um depoimento. Só depois do
hino cessar, sob aplausos e urros no bairro, que comecei a ler as manchetes...
Então vamos lá: Nunca
cobrei da imprensa imparcialidade. Já disse em rede nacional o que acho disso.
O jornalismo não precisa ser imparcial. Só precisa ser honesto.
Por isso lamento
demais por todos meus amigos, colegas, pelos bons jornalistas que sobraram nas
grandes redações, salas de edição. Mas hoje é um dia deprimente demais para
nosso ofício. Hesito muito em dizer isso, mas a falência ética da grande imprensa
industrial é bem maior do que a financeira.
Há muitas camadas no
episódio de hoje. Há uma procissão de responsáveis por esse desastre cívico,
composta por todos os espectros políticos e partidários. Há muita, muita culpa,
sem dúvida, do PT. Mas quero comentar apenas um círculo desse inferno de Bosch.
Que para mim, jornalista não tanto por profissão quanto por princípio, é o que
mais me machuca: a fusão de operações policiais e midiáticas.
Os grandes grupos de
comunicação tem suas preferências políticas? Normal. Tem seus aliados, amigos e
ideologias? Quem não? Tem suas agendas e suas visões de país? Uai, é por isso
que jornais são fundados. Mas quando o jornalismo abandona o posto de cão de
guarda para se tornar um pitbull rábico, a consciência pública se torna
imprevisível. Ou melhor, imprevisível não. Mas rábica também.
Há muitos anos vivemos
a escalada de uma diligente construção de um noticiário político expiatório,
movido por ânsias punitivistas, judiciais. Um jornalismo que está mais em busca
de um desfecho catártico do que dos fatos, que abandonou a checagem, que
dispensou a decantação mínima de rumores , suposições e vazamento em nome manchetes.
Pouco importam as
motivações. Eleger o Aécio, o Alckmin, dar o troco no Lula, avançar uma agenda
liberal, proteger os amigos, a si mesmo, minar a esquerda ou remover a Dilma...
preencha a sua lista. O fato é que apesar de bons repórteres ainda com emprego,
o grosso da mídia de massa trocou a função de mediador da consciência pública
para se tornar um instigador. E instigado o Brasil está.
Mas o resultado disso,
estou convicto, será muito diferente do sonhado e vendido pela mídia que se
considera, ainda e sempre, republicana. Porque ao transformar o noticiário
político em policial, boa parte da imprensa sedimentou a ideia de que a própria
política é uma atividade criminal. Aí está o desastre.
Pois essa noção
ouriçou em uma população com uma histórica vocação ao linchamento o sentimento
de que só a punição, só a cadeia, só a porrada, só a ordem, só a faxina, só a
polícia, só a forra vai salvar esse país de si mesmo.
E meu ponto aqui, de
novo, não é defender Lula. Há mais gente do que argumentos para isso. Mas é
apontar que se publishers, colunistas, âncoras e cínicos acreditam que o Brasil
vai sair melhor desse processo, vão ser tragados, assim como seus aliados, pelo
mesmo ralo quando essa força encontrar expressão eleitoral. Pois por mais
caquético que nosso ofício esteja, ele é fruto e base do iluminismo. E nada
menos conveniente ao ódio organizado do que a livre expressão de ideias, a investigação
do poder, ao esclarecimento público.
Hoje o hino está
tocando em escolas, bandeiras tremulam em automóveis e em grupos de whatsapp. E
editorialistas vão dizer, com razão, que o país está mudando. Os mesmo que,
possivelmente, vão tomar um susto quando virem um Trump brasileiro em primeiro
nas pesquisas. E, com menos assinantes do que o Revoltados OnLine, vão dar um
jeito de colocar a culpa... sei lá... no PT?
Enfim, dizem que
jornal de ontem só serve para embrulhar peixe. Mas hoje me lembro do hábito da
máfia italiana que, antes de executar um desafeto, mandava um peixe de presente
à vítima. Sinto que há um enorme peixe sendo entregue ao país. Mas embrulhado
no jornal de hoje.
PS: Viva o Samuel
Wainer!
Por Jânsen Leiros Jr.
Eu até poderia rebater o Bruno (e foi exatamente o que acabei fazendo indiretamente), mas me deu preguiça. Porque essa ideia de entender o que está acontecendo em nosso país como fruto de fomentação midiática, além exaustivamente utilizada por quem tenda se defender ao ser pego naquilo para o que não há defesa, já era uma prática usada antigamente por Odorico Paraguaçu, ao tentar encobrir suas maracutantes e desavergonhantes falcatruas sucupirenses. Já naquela época havia quem desconfiasse, de que tal manobra em nada retratava a realidade. Agora, porém, temos toda certeza.
Quando do início do primeiro mandado
de Dilma, que vinha com robusta aprovação nacional, e os louros da novidade de
termos uma mulher no posto mais elevado da nação, a mídia cansou de lhe laurear
e incentivar, com matérias que chegavam a menosprezar a oposição que, realmente
medíocre, tentava jogar areia em um governo que ainda começava. Havia esperança
e expectativa de que a bonança seguiria a nos conduzir pela "marolinha"
da economia mundial.
Acontece que perdemos a onda da conjuntura
econômica mundial, surfada pelo então presidente Lula, sobre cuja espuma elegeu
sua sucessora. Diversos equívocos no planejamento e gestão da economia nacional
depois, viram-se apertados por inúmeras contingências das quais claramente não sabem
como se livrar. Mas isso não foi o pior, ainda que não menos importante.
Flagrados os desmandos, os roubos, e o
medonho esquema de corrupção, que tão despudoradamente engendraram aparelhando
a máquina pública, é no mínimo risível que esperassem que a mídia ficasse quieta,
sem divulgar ou mesmo denunciar, convenientemente, é claro, os fatos que lhe podem
render leitores ou acessos em suas páginas digitais. Mais borracheiro não vive
de pneu furado? Coveiros não vivem de enterrar mortos. A mídia vive de assuntos
midiáticos. Não vejo nada de errado nisso.
Errado seria o borracheiro colocar
pregos na estrada para provocar furos que pudesse consertar, tanto quanto
criminoso seria o coveiro que matasse para ter corpos a enterrar. Os fatos que
têm sido noticiados e cobertos pela mídia, ainda que com visível ênfase nesse
ou naquele assunto conforme a ideologia
da casa, não está criando furo no pneu nem atirando corpos às covas. Eles
estão lá , murchos. Vazios e em decomposição.
Notem, o mote não é da mídia como
querem nos fazer crer, e creem os convenientes e casuístas de plantão. Ninguém
fabricou as realidades que nos assustam, e nos indignam diariamente. Com maior
ou menor ênfase, as notícias são reais e expõem a úlcera moral que se abateu
sobre nossas instituições, com vistas a locupletação mesquinha e oportunista de
poucos. Ou seriam muitos, se considerarmos o universo dos acusados e já citados
apenas nessa operação Lava Jato.
De modo que, se a mídia se exacerba ou
não, isso é apenas mais um substrato da deletéria condução de um mundo de
conveniências a que estamos sujeitos. Mas o fato sobre o qual se exacerba, não
foi em momento algum criada por ela como um conto
de fadas. Isso o PT bem gostaria que engolíssemos. Mas não vai colar. Mas
não mesmo.
Mas há um detalhe em que concordo com
Bruno. Não sairemos melhores ainda de todo esse episódio. E creio que ainda
haverá muito o que purgarmos como sociedade. Sim, porque se os poderes constituídos
estão como estão, e é de brasileiros que são formados, temos graves e
importantes problemas de formação dessa matriz de onde esses poderosos saem. A sociedade brasileira
está degradada em seus princípios morais e éticos, além da distorção do que lhe
é auto sugerido como filosofia de vida.
Somos em grande parte, como nação, culpados
por tudo isso. Acumulamos pequenas e inocentes concessões morais, atendendo necessidades
e conveniências próprias, individuais ou de grupos, promovendo a perda das
referências que nos norteavam como povo e nação. E nesse caso, a culpa está
longe de passar pelos poderes constituídos. Reclamamos de corrupção, mas damos
propina ao guarda que nos pretende multar. Reclamamos da educação, mas tomamos
satisfação de professores quando nossos filhos tiram notas baixas, exigindo que
eles sejam premiados por esforços que não realizaram. Somos a nação dos "você sabe com quem está falando?".
Mas isso será tema pra outro papo...
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