sexta-feira, 4 de março de 2016

Debatendo o Mundo Aparente - Parte 1


PEIXE EMBRULHADO EM JORNAL DE HOJE

Por Bruno Torturra

Hoje pela manhã, na quadra da escola vizinha, dirigida por freiras, o hino nacional foi tocado em altos decibéis. Crianças sob a tutoria católica estavam enfileiradas para uma cerimônia patriótica. Só posso supor o que escutaram das freiras sobre o significado da enorme operação policial que levou Lula para um depoimento. Só depois do hino cessar, sob aplausos e urros no bairro, que comecei a ler as manchetes...

Então vamos lá: Nunca cobrei da imprensa imparcialidade. Já disse em rede nacional o que acho disso. O jornalismo não precisa ser imparcial. Só precisa ser honesto.

Por isso lamento demais por todos meus amigos, colegas, pelos bons jornalistas que sobraram nas grandes redações, salas de edição. Mas hoje é um dia deprimente demais para nosso ofício. Hesito muito em dizer isso, mas a falência ética da grande imprensa industrial é bem maior do que a financeira.

Há muitas camadas no episódio de hoje. Há uma procissão de responsáveis por esse desastre cívico, composta por todos os espectros políticos e partidários. Há muita, muita culpa, sem dúvida, do PT. Mas quero comentar apenas um círculo desse inferno de Bosch. Que para mim, jornalista não tanto por profissão quanto por princípio, é o que mais me machuca: a fusão de operações policiais e midiáticas.

Os grandes grupos de comunicação tem suas preferências políticas? Normal. Tem seus aliados, amigos e ideologias? Quem não? Tem suas agendas e suas visões de país? Uai, é por isso que jornais são fundados. Mas quando o jornalismo abandona o posto de cão de guarda para se tornar um pitbull rábico, a consciência pública se torna imprevisível. Ou melhor, imprevisível não. Mas rábica também.

Há muitos anos vivemos a escalada de uma diligente construção de um noticiário político expiatório, movido por ânsias punitivistas, judiciais. Um jornalismo que está mais em busca de um desfecho catártico do que dos fatos, que abandonou a checagem, que dispensou a decantação mínima de rumores , suposições e vazamento em nome manchetes.

Pouco importam as motivações. Eleger o Aécio, o Alckmin, dar o troco no Lula, avançar uma agenda liberal, proteger os amigos, a si mesmo, minar a esquerda ou remover a Dilma... preencha a sua lista. O fato é que apesar de bons repórteres ainda com emprego, o grosso da mídia de massa trocou a função de mediador da consciência pública para se tornar um instigador. E instigado o Brasil está.

Mas o resultado disso, estou convicto, será muito diferente do sonhado e vendido pela mídia que se considera, ainda e sempre, republicana. Porque ao transformar o noticiário político em policial, boa parte da imprensa sedimentou a ideia de que a própria política é uma atividade criminal. Aí está o desastre.

Pois essa noção ouriçou em uma população com uma histórica vocação ao linchamento o sentimento de que só a punição, só a cadeia, só a porrada, só a ordem, só a faxina, só a polícia, só a forra vai salvar esse país de si mesmo.

E meu ponto aqui, de novo, não é defender Lula. Há mais gente do que argumentos para isso. Mas é apontar que se publishers, colunistas, âncoras e cínicos acreditam que o Brasil vai sair melhor desse processo, vão ser tragados, assim como seus aliados, pelo mesmo ralo quando essa força encontrar expressão eleitoral. Pois por mais caquético que nosso ofício esteja, ele é fruto e base do iluminismo. E nada menos conveniente ao ódio organizado do que a livre expressão de ideias, a investigação do poder, ao esclarecimento público.

Hoje o hino está tocando em escolas, bandeiras tremulam em automóveis e em grupos de whatsapp. E editorialistas vão dizer, com razão, que o país está mudando. Os mesmo que, possivelmente, vão tomar um susto quando virem um Trump brasileiro em primeiro nas pesquisas. E, com menos assinantes do que o Revoltados OnLine, vão dar um jeito de colocar a culpa... sei lá... no PT?

Enfim, dizem que jornal de ontem só serve para embrulhar peixe. Mas hoje me lembro do hábito da máfia italiana que, antes de executar um desafeto, mandava um peixe de presente à vítima. Sinto que há um enorme peixe sendo entregue ao país. Mas embrulhado no jornal de hoje.

PS: Viva o Samuel Wainer!

Por Jânsen Leiros Jr.

        Eu até poderia rebater o Bruno (e foi exatamente o que acabei fazendo indiretamente), mas me deu preguiça. Porque essa ideia de entender o que está acontecendo em nosso país como fruto de fomentação midiática, além exaustivamente utilizada por quem tenda se defender ao ser pego naquilo para o que não há defesa, já era uma prática usada antigamente por Odorico Paraguaçu, ao tentar encobrir suas maracutantes e desavergonhantes falcatruas sucupirenses. Já naquela época havia quem desconfiasse, de que tal manobra em nada retratava a realidade. Agora, porém, temos toda certeza.

Quando do início do primeiro mandado de Dilma, que vinha com robusta aprovação nacional, e os louros da novidade de termos uma mulher no posto mais elevado da nação, a mídia cansou de lhe laurear e incentivar, com matérias que chegavam a menosprezar a oposição que, realmente medíocre, tentava jogar areia em um governo que ainda começava. Havia esperança e expectativa de que a bonança seguiria a nos conduzir pela "marolinha" da economia mundial.

Acontece que perdemos a onda da conjuntura econômica mundial, surfada pelo então presidente Lula, sobre cuja espuma elegeu sua sucessora. Diversos equívocos no planejamento e gestão da economia nacional depois, viram-se apertados por inúmeras contingências das quais claramente não sabem como se livrar. Mas isso não foi o pior, ainda que não menos importante.

Flagrados os desmandos, os roubos, e o medonho esquema de corrupção, que tão despudoradamente engendraram aparelhando a máquina pública, é no mínimo risível que esperassem que a mídia ficasse quieta, sem divulgar ou mesmo denunciar, convenientemente, é claro, os fatos que lhe podem render leitores ou acessos em suas páginas digitais. Mais borracheiro não vive de pneu furado? Coveiros não vivem de enterrar mortos. A mídia vive de assuntos midiáticos. Não vejo nada de errado nisso.

Errado seria o borracheiro colocar pregos na estrada para provocar furos que pudesse consertar, tanto quanto criminoso seria o coveiro que matasse para ter corpos a enterrar. Os fatos que têm sido noticiados e cobertos pela mídia, ainda que com visível ênfase nesse ou naquele assunto conforme a ideologia da casa, não está criando furo no pneu nem atirando corpos às covas. Eles estão lá , murchos. Vazios e em decomposição.

Notem, o mote não é da mídia como querem nos fazer crer, e creem os convenientes e casuístas de plantão. Ninguém fabricou as realidades que nos assustam, e nos indignam diariamente. Com maior ou menor ênfase, as notícias são reais e expõem a úlcera moral que se abateu sobre nossas instituições, com vistas a locupletação mesquinha e oportunista de poucos. Ou seriam muitos, se considerarmos o universo dos acusados e já citados apenas nessa operação Lava Jato.

De modo que, se a mídia se exacerba ou não, isso é apenas mais um substrato da deletéria condução de um mundo de conveniências a que estamos sujeitos. Mas o fato sobre o qual se exacerba, não foi em momento algum criada por ela como um conto de fadas. Isso o PT bem gostaria que engolíssemos. Mas não vai colar. Mas não mesmo.

Mas há um detalhe em que concordo com Bruno. Não sairemos melhores ainda de todo esse episódio. E creio que ainda haverá muito o que purgarmos como sociedade. Sim, porque se os poderes constituídos estão como estão, e é de brasileiros que são formados, temos graves e importantes problemas de formação dessa matriz de onde esses poderosos saem. A sociedade brasileira está degradada em seus princípios morais e éticos, além da distorção do que lhe é auto sugerido como filosofia de vida. 

Somos em grande parte, como nação, culpados por tudo isso. Acumulamos pequenas e inocentes concessões morais, atendendo necessidades e conveniências próprias, individuais ou de grupos, promovendo a perda das referências que nos norteavam como povo e nação. E nesse caso, a culpa está longe de passar pelos poderes constituídos. Reclamamos de corrupção, mas damos propina ao guarda que nos pretende multar. Reclamamos da educação, mas tomamos satisfação de professores quando nossos filhos tiram notas baixas, exigindo que eles sejam premiados por esforços que não realizaram. Somos a nação dos "você sabe com quem está falando?". Mas isso será tema pra outro papo...

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