Por Jânsen Leiros Jr.
Minha filha me encaminhou essa imagem
pelo facebook, e confesso que não consegui me desvencilhar da sensação incômoda
de que havia muito mais por trás de sua simplicidade, do que minha vã filosofia pode perceber num primeiro
momento. E mais, tendo essa imagem invadido minha tela enquanto ainda respirava
atônito os ares da votação do prosseguimento do processo de impeachment na
Câmara dos Deputados, logo intui que havia enorme relação entre o patético teatro armado ali, e a inquietante frase
contida na imagem.
Quando digo teatro armado, não me refiro à pertinência do evento dentro do
processo, nem estou julgando a pertinência ou legitimidade do impeachment. Não
farei desse texto fórum para isso, ainda que não deixarei de comentá-lo. Mas o
que me preocupa pontualmente e me motiva aqui, foi a patética e lamentável
demonstração de oportunismo, falsidade e manipulação, por parte de tantos de
suas excelências, ao declararem histrionicamente em nome de Deus, em nome de
Jesus, em nome dos evangélicos, e
até em nome da paz em Jerusalém ou em nome da nação de Israel. Um
verdadeiro show de horrores, que me pesava no coração a cada instante, e me
fazia lamentar tristemente os rumos do cristianismo em nosso país.
Antes de mais nada é preciso deixar
claro que nada tenho contra um político tornar-se evangélico, ou qualquer
evangélico tornar-se político. Se a vocação existe e os motivos forem genuínos,
penso que nada há que lhe impeça o empreendimento. E em princípio, considero até
oportuno que homens transformados pelo Espírito de Deus e cheios da comunhão
com o Pai estejam em condições de liderança da nação, o que em tese pode
promover uma sociedade mais justa e um estado mais acolhedor e preocupado com o
cidadão; principalmente e prioritariamente os mais pobres. Infelizmente, porém,
não é o que acontece, nem é ao que assistimos.
É bom que eu afirme também minha total
e convicta opção por um estado laico. E antes que evangeliquistas de plantão tentem vociferar em contrários, deixem-me
também explicar que minha opção segue estritamente motivos práticos e de total
conveniência, inclusive aos evangélicos. Primeiro porque a Constituição do país
assim determina. E segundo, porque um estado laico é a mais segura condição de
que nossos direitos a culto e o exercício de nossa fé evangélica, serão
insofismavelmente respeitados, assim como nos cabe, pelo mesmo rigor da lei, e
em nosso caso pelo rigor da ética, respeitar as convicções religiosas ou não, e
a devoção de terceiros. Sim, o mesmo seguro que nos garantirá continuada
liberdade religiosa e de adoração a Deus e ao seu Cristo, também e
incondicionalmente, deve e precisa garantir a todos os demais cidadãos, o
direito a crer e a não crer no que quer que seja. O estado laico, portanto,
protege ateus, hereges, religiosos de outras convicções e fé, e até mesmo os
evangélicos.
O que vemos, porém, é um desfile de
atos desproporcionais e totalmente inoportunos, onde a crença se torna escudo e
cobertor das mais variadas e deploráveis atitudes, camuflando conveniências
pessoais e interesses escusos, que se travestem em luta pela moral e os bons
costumes, pela família, e por Deus. É importante salientar que Deus não precisa
de quem o defenda. Ninguém precisa se considerar guardião de sua vontade e lei,
pois sua lei e vontade se vivem no coração e individualmente, e não por força
de uma legislação imposta e oportunista, que decrete atitudes hipócritas como
lei.
Há quem pense que a existência de uma
autodenominada bancada evangélica, defenderá os interesses dos evangélicos, e
funcionará como uma espécie de defesa das leis de Deus, misturando para mal
testemunho, casuísmo e doutrina. Ora, será que se a participação política, ou a
existência hegemônica de um poder evangélico garantisse a existência de um
mundo melhor, o próprio Messias não teria se manifestado como rei político e
nacional, agindo com o poder da força e da lei? não foi assim mesmo que
pensaram os judeus que aguardavam a restauração do reino a Israel? Se esse
fosse o caminho, o próprio Jesus o teria utilizado, tenho certeza. Tal caminho,
porém, não produz qualquer transformação, senão gestos frívolos de fachada,
produzidos por adestramento. É na liberdade que se aperfeiçoa o amor.
No fundo, portanto, a evocação da
crença nada mais é do que a tentativa de manipular aqueles que têm algum
respeito pela crença evocada, criando uma espécie de sentimento de interesse
comum, que pretensamente legitimará projetos pessoais para locupletação de
poucos. Estamos vivendo tempos difíceis, em que a fútil imagem de algo bom, é
laureada e festejada, no lugar do que é efetivamente probo porém desprezado. As
aparências são melhores que as essências, o que contraria por completo a ética
do Sermão do Monte, apenas como exemplo de que a formalidade do aparente, não
legitima uma mentira encoberta.
A verdade é que estamos depreciando o
nome de evangélico. Assisti isso atônito durante a votação na Câmara. Confesso
que quando lia textos falando mal da bancada evangélica, me tomava um
sentimento de solidariedade, pensando tratar-se de mais uma implicância sem
fundamento qualquer, da parte dos desafetos da fé evangélica. Mas ao assistir ao vivo e a cores as mais absurdas
patetices ao palanque, não tive mais qualquer dúvida de que estamos assistindo
a uma autodepreciação do nome evangélico. Houve quem profetizasse raivosamente
contra a Rede Globo, num surto de ódio e segregação de princípios, como quem se
coloca acima do bem e do mal. O nobre deputado espumava e lançava perdigotos,
enquanto maldizia a emissora, sem considerar, sequer, as milhares de famílias
que dali dependem para sobreviver, sem contar os inúmeros irmãos na fé que suam
aquela camisa e lá trabalham com orgulho e dedicação a Deus. Ora, em que somos
melhores de quem quer que seja? A mania que todos temos de nos acharmos um
pouco messias. E ainda disse tudo em
nome do Senhor Jesus. E eu tremi de zelo e temi por todos nós.
A contragosto, apenas porque de onde menos se esperava, a mais equilibrada das
intervenções no tocante ao tema desse texto, veio exatamente do deputado Patrus
Ananias, pasmem, do PT. Ele iniciou dizendo de sua estranheza e incômodo, com a
maneira destemida e inapropriada com que tantos estavam usando o nome de Deus
em vão. Seria a mula chamando advertindo Balaão? Me parece perfeita essa
comparação, pois houve mesmo quem se dissesse, com seu voto, estar homenageando
os mais de "cinquenta milhões de evangélicos desse país". Não discuto
os números e nem vem ao caso. Mas eu pergunto: Se somos tantos comparativamente
aos poucos milhões do final da década de oitenta, por que então o país não está
melhor? Sim, porque lembro bem que em nossas campanhas de evangelização
nacional, criamos que quanto maior fôssemos em número, melhor seria nossa
sociedade. O que então deu errado? Ou o evangelho não é capaz de melhorar uma
sociedade, ou nosso cristianismo não passa de um estilo de vida segregador e
formador de uma tribo que se orgulha de seus poderes e da capacidade que tem de
arregimentar e manipular massas.
Ora, não é legislando que se vive o
evangelho. Se assim fosse não existiria a graça e as leis bastariam para uma
sociedade melhor e justa. Devemos ser cartas vivas. Nós devemos ser as tábuas
da lei, reflexos inequívocos de Jesus, cheios do Espírito Santo, sendo
referência e influenciando a sociedade por uma novidade de vida, e não por
costumes tribais impostos a fórceps ao poder da lei ou das manipulações políticas.
É mais demorado? Sim, mas é pra sempre. E começa aqui, em mim. E aí em você.
Depois mais ali em algum outro, e depois, e depois. Pequenos começos, que nem é
mais tão pequeno assim. Mas que precisa ser, acima de tudo, legítimo e consequente.
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