terça-feira, 19 de abril de 2016

Em "homenagem a Deus", tantos delitos...

Por Jânsen Leiros Jr.

Minha filha me encaminhou essa imagem pelo facebook, e confesso que não consegui me desvencilhar da sensação incômoda de que havia muito mais por trás de sua simplicidade, do que minha vã filosofia pode perceber num primeiro momento. E mais, tendo essa imagem invadido minha tela enquanto ainda respirava atônito os ares da votação do prosseguimento do processo de impeachment na Câmara dos Deputados, logo intui que havia enorme relação entre o patético teatro armado ali, e a inquietante frase contida na imagem.

Quando digo teatro armado, não me refiro à pertinência do evento dentro do processo, nem estou julgando a pertinência ou legitimidade do impeachment. Não farei desse texto fórum para isso, ainda que não deixarei de comentá-lo. Mas o que me preocupa pontualmente e me motiva aqui, foi a patética e lamentável demonstração de oportunismo, falsidade e manipulação, por parte de tantos de suas excelências, ao declararem histrionicamente em nome de Deus, em nome de Jesus, em nome dos evangélicos, e até em nome da paz em Jerusalém ou em nome da nação de Israel. Um verdadeiro show de horrores, que me pesava no coração a cada instante, e me fazia lamentar tristemente os rumos do cristianismo em nosso país.

Antes de mais nada é preciso deixar claro que nada tenho contra um político tornar-se evangélico, ou qualquer evangélico tornar-se político. Se a vocação existe e os motivos forem genuínos, penso que nada há que lhe impeça o empreendimento. E em princípio, considero até oportuno que homens transformados pelo Espírito de Deus e cheios da comunhão com o Pai estejam em condições de liderança da nação, o que em tese pode promover uma sociedade mais justa e um estado mais acolhedor e preocupado com o cidadão; principalmente e prioritariamente os mais pobres. Infelizmente, porém, não é o que acontece, nem é ao que assistimos.

É bom que eu afirme também minha total e convicta opção por um estado laico. E antes que evangeliquistas de plantão tentem vociferar em contrários, deixem-me também explicar que minha opção segue estritamente motivos práticos e de total conveniência, inclusive aos evangélicos. Primeiro porque a Constituição do país assim determina. E segundo, porque um estado laico é a mais segura condição de que nossos direitos a culto e o exercício de nossa fé evangélica, serão insofismavelmente respeitados, assim como nos cabe, pelo mesmo rigor da lei, e em nosso caso pelo rigor da ética, respeitar as convicções religiosas ou não, e a devoção de terceiros. Sim, o mesmo seguro que nos garantirá continuada liberdade religiosa e de adoração a Deus e ao seu Cristo, também e incondicionalmente, deve e precisa garantir a todos os demais cidadãos, o direito a crer e a não crer no que quer que seja. O estado laico, portanto, protege ateus, hereges, religiosos de outras convicções e fé, e até mesmo os evangélicos.

O que vemos, porém, é um desfile de atos desproporcionais e totalmente inoportunos, onde a crença se torna escudo e cobertor das mais variadas e deploráveis atitudes, camuflando conveniências pessoais e interesses escusos, que se travestem em luta pela moral e os bons costumes, pela família, e por Deus. É importante salientar que Deus não precisa de quem o defenda. Ninguém precisa se considerar guardião de sua vontade e lei, pois sua lei e vontade se vivem no coração e individualmente, e não por força de uma legislação imposta e oportunista, que decrete atitudes hipócritas como lei.

Há quem pense que a existência de uma autodenominada bancada evangélica, defenderá os interesses dos evangélicos, e funcionará como uma espécie de defesa das leis de Deus, misturando para mal testemunho, casuísmo e doutrina. Ora, será que se a participação política, ou a existência hegemônica de um poder evangélico garantisse a existência de um mundo melhor, o próprio Messias não teria se manifestado como rei político e nacional, agindo com o poder da força e da lei? não foi assim mesmo que pensaram os judeus que aguardavam a restauração do reino a Israel? Se esse fosse o caminho, o próprio Jesus o teria utilizado, tenho certeza. Tal caminho, porém, não produz qualquer transformação, senão gestos frívolos de fachada, produzidos por adestramento. É na liberdade que se aperfeiçoa o amor.

No fundo, portanto, a evocação da crença nada mais é do que a tentativa de manipular aqueles que têm algum respeito pela crença evocada, criando uma espécie de sentimento de interesse comum, que pretensamente legitimará projetos pessoais para locupletação de poucos. Estamos vivendo tempos difíceis, em que a fútil imagem de algo bom, é laureada e festejada, no lugar do que é efetivamente probo porém desprezado. As aparências são melhores que as essências, o que contraria por completo a ética do Sermão do Monte, apenas como exemplo de que a formalidade do aparente, não legitima uma mentira encoberta.

A verdade é que estamos depreciando o nome de evangélico. Assisti isso atônito durante a votação na Câmara. Confesso que quando lia textos falando mal da bancada evangélica, me tomava um sentimento de solidariedade, pensando tratar-se de mais uma implicância sem fundamento qualquer, da parte dos desafetos da fé evangélica. Mas ao assistir ao vivo e a cores as mais absurdas patetices ao palanque, não tive mais qualquer dúvida de que estamos assistindo a uma autodepreciação do nome evangélico. Houve quem profetizasse raivosamente contra a Rede Globo, num surto de ódio e segregação de princípios, como quem se coloca acima do bem e do mal. O nobre deputado espumava e lançava perdigotos, enquanto maldizia a emissora, sem considerar, sequer, as milhares de famílias que dali dependem para sobreviver, sem contar os inúmeros irmãos na fé que suam aquela camisa e lá trabalham com orgulho e dedicação a Deus. Ora, em que somos melhores de quem quer que seja? A mania que todos temos de nos acharmos um pouco messias. E ainda disse tudo em nome do Senhor Jesus. E eu tremi de zelo e temi por todos nós.

A contragosto, apenas porque de onde menos se esperava, a mais equilibrada das intervenções no tocante ao tema desse texto, veio exatamente do deputado Patrus Ananias, pasmem, do PT. Ele iniciou dizendo de sua estranheza e incômodo, com a maneira destemida e inapropriada com que tantos estavam usando o nome de Deus em vão. Seria a mula chamando advertindo Balaão? Me parece perfeita essa comparação, pois houve mesmo quem se dissesse, com seu voto, estar homenageando os mais de "cinquenta milhões de evangélicos desse país". Não discuto os números e nem vem ao caso. Mas eu pergunto: Se somos tantos comparativamente aos poucos milhões do final da década de oitenta, por que então o país não está melhor? Sim, porque lembro bem que em nossas campanhas de evangelização nacional, criamos que quanto maior fôssemos em número, melhor seria nossa sociedade. O que então deu errado? Ou o evangelho não é capaz de melhorar uma sociedade, ou nosso cristianismo não passa de um estilo de vida segregador e formador de uma tribo que se orgulha de seus poderes e da capacidade que tem de arregimentar e manipular massas.


Ora, não é legislando que se vive o evangelho. Se assim fosse não existiria a graça e as leis bastariam para uma sociedade melhor e justa. Devemos ser cartas vivas. Nós devemos ser as tábuas da lei, reflexos inequívocos de Jesus, cheios do Espírito Santo, sendo referência e influenciando a sociedade por uma novidade de vida, e não por costumes tribais impostos a fórceps ao poder da lei ou das manipulações políticas. É mais demorado? Sim, mas é pra sempre. E começa aqui, em mim. E aí em você. Depois mais ali em algum outro, e depois, e depois. Pequenos começos, que nem é mais tão pequeno assim. Mas que precisa ser, acima de tudo, legítimo e consequente.

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