sábado, 28 de setembro de 2024

Fim das eleições. De volta ao presente possível e real

Por Jânsen Leiros Jr.

 "A democracia é o processo que garante que não sejamos governados melhor do que merecemos." - Bertrand Russell

Com ironia, Russell sugere que o estado do governo reflete a qualidade de participação e engajamento do povo, e, implicitamente, a apatia ou indiferença dos eleitores pode resultar em líderes que não os inspiram.

"Uma pessoa não pode, sem degradar-se, consentir em ser governada por um poder que considera ilegítimo." - Simone Weil

Weil destaca a questão da legitimidade, sugerindo que, quando os eleitores veem o processo eleitoral ou os candidatos como ilegítimos, eles acabam desiludidos e apáticos em relação à política.

"O maior castigo para aqueles que não se interessam por política é que serão governados pelos que se interessam." - José Ortega y Gasset

Ortega y Gasset sugere que a apatia tem consequências graves, pois ela permite que indivíduos menos capacitados ou pouco inspiradores ocupem cargos de poder.

"A apatia dos cidadãos em uma democracia é uma porta aberta para a tirania." - Alexis de Tocqueville

Tocqueville alerta para os perigos da apatia generalizada, que pode minar os alicerces da democracia e facilitar a ascensão de regimes autoritários.

"A única coisa necessária para o triunfo do mal é que os homens bons não façam nada." - John Stuart Mill

Mill destaca a passividade e a inércia como condições que permitem a degradação moral e política de uma sociedade, apontando indiretamente para a apatia dos eleitores como um fator que perpetua maus líderes.

"A política é um jogo cujo resultado depende daqueles que não jogam." - Pierre Bourdieu

Bourdieu critica o desinteresse dos cidadãos pela política, sugerindo que essa indiferença acaba determinando os resultados eleitorais, favorecendo os políticos que têm controle sobre os que participam.

Estamos chegando ao fim de mais um período eleitoral. Talvez em algumas capitais ainda haja um segundo turno, mas em grande parte do Brasil, a "festa" das campanhas logo chegará ao fim. Para muitos, especialmente aqueles que encontram uma fonte temporária de renda nesse período, como publicitários, coordenadores de campanha, cabos eleitorais e pequenos empresários, o fim das eleições significa o retorno à realidade, o fim do "bônus" sazonal, da renda extra que as campanhas oferecem.

Para nós, "pobres mortais" — aqueles que estão do lado de cá das telinhas, sejam da TV ou do celular, que assistimos a esse espetáculo de promessas e devaneios — o fim desse circo eleitoral é quase um alívio. Afinal, quem aguenta mais jingles repetitivos, frases feitas e slogans vazios? São semanas em que nossa rotina é interrompida por discursos que, na maioria das vezes, não falam nada com nada, ou sequer nos conectam com algo relevante ou mesmo aproveitável.

O jogo político sempre nos empurra para uma falsa dicotomia. De um lado, os que dizem que tudo vai bem, que o progresso está em marcha, e que só falta um "pouquinho mais" para atingirmos a condição perfeita de funcionamento de toda a estrutura pública. Do outro lado, estão os que pintam o cenário como se estivéssemos à beira do apocalipse, afundados em um abismo cujo escape depende deles — e só por eles. E a nós, no meio dessa guerra de narrativas, resta o cansaço e uma certa frustração, como se fôssemos obrigados a escolher entre o ruim e o menos pior. Nesse cenário, a apatia se instala. Talvez os números de abstenções, votos nulos e votos em branco nas últimas cinco eleições municipais traduzam essa realidade. 

Fonte: TSE; produção gráfica Data Link Web/Ipeges

O que me incomoda — e acredito que incomoda muitos de vocês igualmente — é que as campanhas políticas são, em sua maioria, movimentos meramente oportunistas. Muitos candidatos enxergam a política como uma máquina para se locupletar, buscando acessar a estrutura pública para atender seus próprios interesses, ou ainda interesses de grupos organizados em diversos setores da sociedade. A retórica bem pensada é apenas uma fachada atraente. É claro que não devemos ser injustos: existem aqueles que realmente querem algo melhor para suas cidades e que têm compromisso genuíno com suas comunidades. Eu mesmo conheço alguns. Mas, convenhamos, são poucos. Muito menos do que deveria. Identificá-los não é tarefa fácil.

Nosso papel, enquanto eleitores, por mais cansados e desiludidos que estejamos, é o de saber separar o joio do trigo. Em meio a esse mar de candidatos, precisamos ser cirúrgicos. Identificar aqueles que realmente se preocupam com o bem-estar coletivo, com o futuro das nossas cidades e, entre eles, escolher quem mais se aproxima dos nossos valores e da nossa visão de mundo.

A grande lição, olhando para as frases que abrem este texto, é que o voto não é, e nem pode ser, apenas uma obrigação civil. É, antes, uma enorme e necessária responsabilidade. Não se trata de acertar na escolha do candidato perfeito — porque ele, provavelmente, nem existe — mas de exercer esse direito com consciência, com a motivação certa, pensando no que realmente importa para a nossa cidade, para a nossa família, para o nosso cotidiano. Entendendo que a pretensa isenção, nesse processo, não existe. Quer queiramos, quer não, até mesmo nosso eventual não envolvimento interfere no resultado das urnas, e, consequentemente, na realidade do lugar em que vivemos.

                Que, ao depositarmos nosso voto na urna, possamos fazê-lo com a plena certeza de que estamos cumprindo nosso dever cívico da maneira mais honesta possível, e com um olhar atento para o futuro de todos nós... de todos!

sexta-feira, 27 de setembro de 2024

O que vemos e não vemos na guerra Israel x Hamas - um pano de fundo

 

Por Jânsen Leiros Jr.

Citações de Líderes de Países Inimigos de Israel

"Israel deve ser varrido do mapa."

Mahmoud Ahmadinejad – Ex-presidente do Irã, pertencente ao governo teocrático iraniano (Discurso em conferência em 2005).

 "Se os judeus se reunirem em Israel, será mais fácil matá-los de uma vez só."

Hassan Nasrallah – Líder do Hezbollah (grupo extremista – em entrevista em 2002).

 "A luta será continuada até que toda a Palestina seja libertada e Israel seja eliminado."

Yasser Arafat – Líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) - Discurso de 1974.

"O regime sionista é um tumor cancerígeno que deve ser removido."

Ali Khamenei – Líder Supremo do Irã - Discurso em 2018.

"O estado de Israel é ilegítimo e deve ser combatido até ser destruído."

Ismail Haniyeh – Líder do Hamas (grupo extremista – em entrevista de 2006).

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Citações de Líderes de Países Inimigos de Israel na ONU

Recep Tayyip Erdoğan – Presidente da Turquia:

"Israel é um estado terrorista que está cometendo um genocídio contra os palestinos." (Discurso na ONU em 2014).

Mahmoud Abbas – Presidente da Autoridade Palestina:

"Israel está realizando uma limpeza étnica contra os palestinos e criando um regime de apartheid." (Discurso na ONU em 2011).

Mohammad Javad Zarif – Ex-ministro das Relações Exteriores do Irã:

"O comportamento de Israel contra os palestinos é uma vergonha moral para o mundo." (Discurso na ONU em 2019).

 

Citações de Líderes israelenses

Meir Kahane – Fundador do partido Kach (banido por extremismo):

"Os árabes são um câncer no corpo de nossa nação e devem ser removidos." (Discurso em 1980).

Rabbi Ovadia Yosef – Líder espiritual do partido Shas (2010):

"Os árabes são cobras. Deus deveria castigá-los com pragas." (Sermão de 2010).

Ayelet Shaked – Ministra da Justiça de Israel (2014):

"O povo palestino é o inimigo, e seu sangue deve estar nas mãos de Israel." (Postagem no Facebook em 2014).

Yitzhak Shamir – Ex-Primeiro-ministro de Israel (1988):

"Os árabes devem ser espancados e forçados a rastejar." (Declaração a jornalistas em 1988).

Ariel Sharon – Ex-Primeiro-ministro de Israel (2001):

"Todo mundo tem que mexer com os palestinos, eles são terroristas natos." (Entrevista em 2001).

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Citações de Líderes israelenses na ONU

Benjamin Netanyahu – Primeiro-ministro de Israel (2016):

"O Conselho de Direitos Humanos da ONU tem sido uma farsa, atacando Israel repetidamente enquanto ignora os verdadeiros culpados das atrocidades no mundo árabe." (Discurso na ONU, 2016).

Abba Eban – Ex-Ministro das Relações Exteriores de Israel (1973):

"Os palestinos nunca perdem uma oportunidade de perder uma oportunidade." (Discurso na ONU, 1973).

O conflito entre Israel e Palestina, com sua escalada recente e o envolvimento contínuo do grupo Hamas, é apenas mais um capítulo em uma história que atravessa séculos. Para compreendê-lo plenamente, é necessário mergulhar nas profundezas de uma disputa territorial, religiosa e política que remonta a tempos antigos, mas que, ao longo do século XX, ganhou contornos ainda mais violentos e complexos. Com raízes na antiga Palestina e no renascimento do nacionalismo judaico no final do século XIX, a fundação do Estado de Israel em 1948 foi um marco importante, mas também o início de uma série de confrontos com os árabes da região, especialmente os palestinos, que até hoje lutam por um Estado próprio.

A rivalidade histórica entre israelenses e palestinos pode ser traçada até os primeiros movimentos sionistas no final do século XIX, quando judeus, principalmente da Europa, começaram a imigrar para a Palestina, então parte do Império Otomano. A perseguição na Europa, sobretudo o Holocausto, intensificou essa migração. Após a Segunda Guerra Mundial, o Plano de Partilha das Nações Unidas de 1947 propôs a criação de dois estados: um para os judeus e outro para os árabes. No entanto, os países árabes rejeitaram essa solução, e o conflito armado irrompeu. A guerra de 1948 culminou na criação de Israel, mas também no deslocamento de centenas de milhares de palestinos, que viria a se tornar um dos principais focos da discórdia no Oriente Médio.

Desde então, a história tem sido marcada por uma sequência de guerras, acordos fracassados e ataques terroristas. Um dos fatores centrais para a perpetuação deste conflito é a presença de grupos como o Hamas, que surgiu nos anos 1980 como uma facção islâmica resistente à presença israelense. O Hamas, que governa a Faixa de Gaza desde 2007, adota uma postura abertamente hostil a Israel, com atentados suicidas e ataques com foguetes contra civis israelenses, ações estas que acabam justificando uma série de retaliações militares de grande escala por parte de Israel. Como argumentam analistas, as ações de Israel, frequentemente violentas e letais, são em grande parte uma resposta à contínua ameaça representada por esses ataques.

Apesar disso, o ciclo de violência entre os dois lados parece inquebrável. De um lado, os israelenses justificam suas ofensivas militares como uma defesa contra ameaças terroristas, como os milhares de foguetes disparados pelo Hamas, muitos deles em áreas residenciais. O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou recentemente que "Israel tem o direito e o dever de se defender contra uma organização terrorista que busca sua destruição." Netanyahu, ao longo de sua carreira política, sempre defendeu medidas de segurança rigorosas como resposta às ameaças palestinas.

Por outro lado, os palestinos, tanto na Cisjordânia quanto em Gaza, vivem sob uma ocupação militar israelense, com restrições severas de movimento, uma economia fragilizada, e, em muitos casos, sem acesso adequado a serviços essenciais. Para muitos palestinos, a resistência, seja ela militar ou política, é vista como uma luta por liberdade e dignidade. O líder do Hamas, Ismail Haniyeh, em diversos discursos, mantém a retórica de que "a resistência armada é o único caminho para libertar a Palestina". Essa visão, no entanto, reforça a violência cíclica, onde cada ação de um lado provoca uma reação ainda mais intensa do outro.

A comunidade internacional, historicamente dividida, também tem um papel ambíguo nesse conflito. Apoiadores de Israel, como os Estados Unidos, frequentemente ressaltam o direito à autodefesa do Estado israelense, fornecendo apoio militar e diplomático. O presidente Joe Biden, por exemplo, afirmou em 2021 que "nenhum país pode tolerar ataques indiscriminados contra seus cidadãos" ao defender o apoio americano a Israel em meio a ataques do Hamas. Ao mesmo tempo, críticos internacionais, especialmente em organismos como as Nações Unidas, denunciam a ocupação israelense e o bloqueio de Gaza como causas fundamentais do conflito, clamando por um retorno às negociações de paz e por uma solução de dois estados.

O conceito de legitimidade moral também permeia esse conflito. Até onde vai o direito de Israel de se defender sem violar os direitos humanos dos palestinos? Quando uma resposta a um ataque se transforma em retaliação desproporcional? O número de civis mortos, especialmente entre os palestinos, é um dado que não pode ser ignorado. Organizações de direitos humanos como a Anistia Internacional frequentemente acusam Israel de uso excessivo da força, apontando que a maioria das vítimas em Gaza são civis, incluindo mulheres e crianças. Essas mortes alimentam um ciclo de ódio que parece não ter fim.

O que agrava essa questão é o fato de que, no discurso popular, a voz da paz é constantemente abafada pelas explosões e retaliações. Em ambos os lados, existem aqueles que defendem o diálogo, a coexistência e uma solução pacífica, mas essas vozes são frequentemente ignoradas em meio ao barulho das armas. A ex-política israelense Tzipi Livni, uma defensora da solução de dois estados, já declarou que "a paz é a única verdadeira segurança que Israel pode ter", mas essa visão parece estar cada vez mais distante, à medida que extremistas de ambos os lados ganham força.

No entanto, será que um caminho para a paz é possível? O futuro do Oriente Médio, e talvez do mundo, depende de uma resposta a essa questão. O que está em jogo não é apenas a sobrevivência de Israel ou o reconhecimento de um Estado palestino, mas também a estabilidade regional e global. Com o envolvimento de potências internacionais e a ascensão de grupos extremistas em todo o mundo, o conflito israelense-palestino torna-se um microcosmo de questões globais maiores: como equilibrar segurança com justiça, como reconciliar diferenças culturais e religiosas, e como alcançar a paz em meio a séculos de desconfiança e ódio.

Enquanto assistimos a mais um episódio deste conflito interminável, somos obrigados a refletir: haverá um ponto de ruptura? O ódio acumulado pode ser superado? E, em última análise, a paz que tantos clamam, mas que poucos parecem buscar ativamente, é realmente possível no Oriente Médio e no mundo como o conhecemos?


domingo, 22 de setembro de 2024

Quando a retórica é tão ou mais cruel que a realidade

Por Jânsen Leiros Jr.

“Há de fato um aumento preocupante nas mortes de crianças indígenas entre 2022 e 2023. De acordo com o relatório "Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil", elaborado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), as mortes de crianças indígenas de 0 a 4 anos aumentaram 24,55% nesse período. Em 2022, foram registradas 835 mortes, enquanto em 2023 o número subiu para 1.040. O Amazonas lidera os estados com o maior número de casos, seguido por Roraima e Mato Grosso. Esses dados foram obtidos através do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação da Atenção à Saúde Indígena (Siasi)” – matéria do Link Our View 

 

"A mentira política não consiste em dizer o que não é verdade, mas em apresentar como verdadeira uma promessa que não tem intenção de cumprir." – Hannah Arendt (1906-1975)

"O homem superior age antes de falar, e depois fala de acordo com suas ações." – George Orwell

"O objetivo do poder é o poder. E as mentiras são usadas como ferramentas para mantê-lo." – Confúcio

É revoltante e doloroso observar que, mesmo com a troca de governo e a criação do tão alardeado Ministério dos Povos Originários, a realidade vivida pelas crianças indígenas no Brasil continua trágica e inaceitável. Entre 2022 e 2023, houve um aumento expressivo na mortalidade infantil entre crianças indígenas de 0 a 4 anos, totalizando 1.040 óbitos em 2023. Esse número reflete não apenas o abandono, mas também o descaso flagrante com essas populações vulneráveis. São mortes que poderiam ser evitadas com medidas básicas de saúde, como acesso a medicamentos, saneamento adequado e alimentação, especialmente considerando que muitas dessas mortes foram causadas por desnutrição e a falta de remédios simples.

O descompasso entre o discurso oficial do governo e a realidade no terreno é gritante. No plano retórico, houve a criação de um ministério, chefiado por uma mulher indígena, algo que parecia, à primeira vista, um avanço concreto na representação e no cuidado dos povos originários. No entanto, a gestão e a prática mostram que pouco foi feito para mudar a dura realidade de quem vive nas comunidades indígenas. Como pode um governo que se comprometeu a proteger esses povos permitir que crianças morram por falta de assistência médica básica?

O discurso de proteção dos povos indígenas é vazio enquanto vidas são perdidas em números tão alarmantes, especialmente quando se sabe que essas mortes são evitáveis. A promessa de apoio e proteção virou uma verdadeira farsa. Não basta criar ministérios ou cargos de destaque se as políticas não chegam às aldeias, se o apoio efetivo não alcança as crianças que morrem por doenças curáveis ou evitáveis.

Os Yanomami, em particular, enfrentam uma crise humanitária devastadora, que se agrava pela presença de garimpeiros ilegais em suas terras, contribuindo para o aumento da mortalidade infantil. A falta de controle sobre essas invasões é uma evidência gritante de que o Estado falhou na proteção das comunidades, permitindo que seus territórios fossem saqueados, seus recursos roubados, e suas crianças morressem pela omissão de políticas públicas.

É inadmissível que, em pleno século XXI, um país com tantos recursos como o Brasil continue negligenciando os povos indígenas, que há séculos são sistematicamente marginalizados e abandonados. As mortes de 1.040 crianças indígenas em 2023, e as mais de 3.500 nos últimos cinco anos, são um verdadeiro escândalo humanitário. O governo federal precisa ser veementemente cobrado a atuar com urgência para reverter esse cenário de genocídio silencioso.

Este é um apelo por ação imediata! A criação de um ministério e a promessa de atenção especial aos povos originários não podem continuar sendo apenas um gesto simbólico e vazio. É preciso transformar o discurso em realidade, com uma presença constante e eficaz do Estado nas aldeias, garantindo assistência médica, segurança alimentar e condições dignas de vida para as crianças e suas famílias.

O Estado brasileiro deve ser responsabilizado por essa tragédia e, acima de tudo, precisa agir rapidamente para estancar o sofrimento de tantas comunidades que, mesmo após séculos de exploração e desrespeito, ainda lutam desesperadamente pela sobrevivência de suas crianças.


Cadeiras voam! Tanto quanto nossos sonhos de um país melhor

Por Jânsen Leiros Jr.

"Uma pessoa pode acreditar de forma apaixonada que está certa, mas quando essa crença se torna intolerante à divergência, ela se transforma em tirania disfarçada de virtude." – John Stuart Mill

"Onde há boa ordem, há boa política, pois os governantes buscam o bem comum, não a destruição de seus adversários." – Nicolau Maquiavel

"A política, de fato, é a arte de garantir o bem comum, e não o confronto estéril entre facções que buscam apenas o poder pelo poder." – Aristóteles

"A inabilidade para discutir de maneira racional substitui o verdadeiro debate por brigas e provocações, e nenhuma sociedade pode florescer onde esse é o padrão." – Bertrand Russell

"Quando os políticos deixam de agir pelo bem da sociedade e se dedicam apenas a atacar seus rivais, a república se enfraquece, pois é da justiça, não da violência, que ela se sustenta." – Montesquieu

"A essência da política é a liberdade; onde o discurso se transforma em violência, a política perde seu valor e a sociedade se distancia da verdadeira democracia." – Hannah Arendt

Nota sobre os autores acima[1] 

              A realidade das campanhas eleitorais no Brasil é desoladora. Em vez de promoverem debates profundos que esclareçam o eleitor e apresentem visões de mundo e soluções concretas, o que vemos é um verdadeiro circo de provocações e baixarias. Acusações, mentiras e calúnias se tornaram armas para inflamar "torcidas organizadas", e isso expõe nossa fragilidade democrática. Décadas de suposta democracia não foram suficientes para evitar que nossas disputas políticas permanecessem infantis e vazias.

Considerando as frases acima e o ambiente vivido por seus diferentes autores, há que se concluir que a rivalidade política já promoveu, ao longo da história, circunstâncias, no mínimo, desconfortáveis. Mas o recente episódio envolvendo Datena e Pablo Marçal em debate promovido pela TV Cultura escancara o nível raso das discussões políticas no país. A violência, seja verbal ou física, transforma o debate eleitoral em um confronto estéril, onde o objetivo de construir um país melhor é completamente obliterado. Práticas como essas, longe de beneficiar a nação, apenas alimentam uma polarização perigosa, convertendo os eleitores em meros espectadores de um jogo sujo, sem qualquer entendimento real do que está em jogo.

A democracia se fragiliza quando estratégias de desqualificação e agressão substituem a apresentação de propostas sérias e viáveis. Isso reflete uma política pobre, que, incapaz de se livrar de expedientes rasteiros, prefere explorar o emocional, a raiva e a confusão. Como consequência, o eleitorado brasileiro é conduzido por uma onda de irracionalidade que perpetua o ciclo de promessas vazias e embates superficiais.

Se o Brasil deseja crescer como nação, é urgente romper com essa cultura política decadente, que apenas empobrece nossa democracia. Não podemos mais tolerar campanhas eleitorais que se assemelhem a arenas de gladiadores, enquanto questões fundamentais como saúde, educação, segurança e desenvolvimento econômico são deixadas de lado. O Brasil não precisa de candidatos que saibam brigar, mas de líderes que saibam governar com integridade, visão e compromisso real com o futuro.

                É insuportável ver a política nacional reduzida a um espetáculo grotesco, onde o bem-estar do país é deixado de lado. Até quando aceitaremos que a verdadeira democracia seja pisoteada por personagens que preferem a luta suja em vez da luta por soluções? Precisamos romper com essa engrenagem que empobrece o país e transforma eleitores em massa de manobra de um jogo sem propósito. O despertar é urgente, e ele exige uma mudança de mentalidade, não apenas de candidatos. Se continuarmos a aplaudir esse show de horrores, que futuro estaremos construindo?


[1] John Stuart Mill: Filósofo britânico do século XIX, defensor do utilitarismo e dos direitos individuais, especialmente da liberdade de expressão.

 

Nicolau Maquiavel: Pensador renascentista italiano, autor de O Príncipe, conhecido por suas teorias políticas pragmáticas sobre poder e governança.

 

Aristóteles: Filósofo grego clássico, discípulo de Platão, cujas ideias sobre ética e política influenciaram profundamente o pensamento ocidental.

 

Bertrand Russell: Filósofo e matemático britânico do século XX, famoso por seu trabalho em lógica, filosofia da linguagem e ativismo pela paz.

 

Montesquieu: Filósofo e jurista francês do Iluminismo, conhecido por sua teoria da separação dos poderes no governo.

 

Hannah Arendt: Filósofa política alemã do século XX, destacada por suas análises sobre o totalitarismo, a natureza do poder e a liberdade.


sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Narrativas disfarçadas e mentiras travestidas

Por Jânsen Leiros Jr. 

 "Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado." – George Orwell, em seu livro 1984

 "A história será gentil comigo, pois pretendo escrevê-la" – Winston Churchill

 "O que é verdadeiro não é nem arbitrário nem feito, e isso inclui tanto os fatos quanto os eventos." – Hannah Arendt, filósofa política, em seu livro Entre o Passado e o Futuro

 "A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo." – Napoleão Bonaparte, em uma reflexão sobre a maleabilidade da história

 "A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento." - Milan Kundera, escritor e pensador tcheco, em seu livro O Livro do Riso e do Esquecimento

Vivemos tempos alarmantes em que o ataque à integridade da história tem alcançado níveis críticos. A criação de narrativas distorcidas, erguidas como verdadeiros monumentos de engano, desfigura a realidade e corrompe a verdade. Esse fenômeno é descrito de forma cristalina por George Orwell em 1984: “Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.” A profundidade dessa afirmação nos revela o propósito subjacente da manipulação histórica, onde o poder sobre os fatos passados define o caminho que se trilha para o futuro. E, assim, presenciamos diante de nossos olhos o crime inaceitável de moldar o passado a serviço de interesses particulares, compromissando a capacidade coletiva de compreensão do que é real.

Orwell não estava apenas delineando uma ficção distópica, mas expondo a realidade de uma prática cada vez mais corriqueira. O que estamos vendo hoje é a apropriação de uma verdade que, segundo a advertência de Winston Churchill, será "gentil" com aqueles que a escrevem. O ex-primeiro-ministro britânico reconhecia que o poder de moldar a história confere ao narrador um perigoso privilégio: o de pintar a realidade com cores convenientes. Isso é justamente o que vemos hoje: indivíduos e grupos que se arrogam o direito de registrar uma versão da história que favoreça exclusivamente seus próprios interesses, enquanto outras vozes são silenciadas. Tal distorção de perspectivas cria um palco para ambições desmedidas e transforma a história em um recurso manipulável, corrompendo o conhecimento coletivo e compromissando o entendimento genuíno dos eventos.

Essas narrativas deturpadas são mais do que apenas enganosas; elas são, como advertiu Hannah Arendt, perigosamente corrosivas para a verdade. Ao afirmar que “o que é verdadeiro não é nem arbitrário nem feito”, Arendt estabelece um princípio fundamental: fatos são inalienáveis, não podem ser moldados à vontade. No entanto, quando a história é manipulada para servir a uma visão unilateral, uma realidade paralela é criada, onde a verdadeira aprendizagem e compreensão se esvaem. O que resta é uma versão empobrecida e deformada da realidade, uma mentira travestida de verdade que perpetua decisões e crenças equivocadas, impactando não apenas a geração presente, mas comprometendo o futuro.

Esse fenômeno de adulterar o passado para satisfazer interesses presentes é um exemplo claro de corrupção moral e intelectual. Como Milan Kundera sabiamente observou, “A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento.” A memória coletiva deve ser protegida, pois sua adulteração implica a criação de um presente falsificado, onde os erros do passado, ao invés de serem corrigidos, são dissimulados. A prática de apagar ou distorcer fatos históricos em nome de agendas políticas ou pessoais não é apenas um ato de desonestidade intelectual; é uma traição ao próprio princípio da verdade.

Esta distorção histórica não é uma ameaça nova. Outros pensadores, como o filósofo espanhol George Santayana, advertiram: “Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo.” Este eco de sabedoria nos lembra que a história, se manipulada ou esquecida, transforma-se em um ciclo de erros. A negação das lições do passado, ou sua reformulação para atender conveniências oportunistas, priva a sociedade do conhecimento necessário para evitar erros futuros. A história, portanto, não deve ser vista como uma tela em branco para projeções casuístas, mas como um espelho fiel que reflete o que realmente aconteceu e acontece.

Devemos nos posicionar com firmeza contra essa distorção contínua da realidade. Não podemos aceitar que uma verdade fabricada se imponha sobre a verdade histórica. A fabricação de um passado ajustado aos caprichos do presente, ou mesmo a maquiagem de um presente que viabilize pretensões futuras, cria uma falsa sensação de entendimento, erguendo muros entre nós e a realidade, minando nossa capacidade de aprendizado genuíno. Essa deturpação, quando não combatida, legitima a criação de mitos e narrativas enganosas que comprometem a construção de um desenvolvimento sustentável e mais esclarecido. O filósofo francês Paul Ricoeur, em sua análise sobre a memória e a história, adverte sobre a necessidade de manter a verdade histórica preservada, argumentando que “A memória ferida pode ser manipulada, transformando a dor do passado em arma política.” Isso reflete o perigo de se apropriar da história para manipular os sentimentos e ações do presente.

Rejeitemos, portanto, qualquer tentativa de moldar o passado ou mascarar o presente, para que se ajuste às conveniências transitórias e particulares. O verdadeiro conhecimento é construído sobre a base sólida da honestidade e precisão, não sobre realidade esculpida ou distorção dos fatos. Assim como apontado por Arendt, o verdadeiro desafio da história é manter sua integridade. Isso é essencial para garantir que a humanidade possa aprender com seus erros, preservando as complexidades e nuances que tornam o passado um recurso de valor incalculável para a construção de um futuro justo.

Um futuro promissor, portanto, aprende com a verdadeira história. Não com uma versão criada para enganar e manipular. É nossa responsabilidade coletiva proteger a integridade da verdade histórica, garantindo que o passado, com toda a sua complexidade, seja um farol de compreensão e aprendizado, e não uma ferramenta de controle e distorção. Na preservação da história como ela é – com suas lições duras e triunfos genuínos – reside nossa chance de garantir que o futuro seja construído sobre alicerces verdadeiros e não sobre a areia movediça de mentiras travestidas de verdade.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Liberdade. Como se vive e como se perde

Por Jânsen Leiros Jr. 

"A liberdade não é um luxo dos tempos de bonança; é, sobretudo, o maior elemento de estabilidade de uma sociedade." – Ruy Barbosa

"Aqueles que abrem mão da liberdade essencial por um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança." – Benjamin Franklin

"A liberdade nunca está a mais de uma geração da extinção. Nós não a passamos para nossos filhos na corrente sanguínea. Ela deve ser conquistada, protegida, e passada para eles fazerem o mesmo." – Ronald Reagan

"A perda da liberdade, mesmo que pequena, é um passo em direção à escravidão." – John Locke

 

                A Liberdade é uma necessidade essencial para todos nós e está no cerne da vida saudável em sociedade e é, ao mesmo tempo, um dos bens mais importantes de cada ser humano. Por isso deveria ser, por conceito, inalienável. Mas o que é, afinal, essa tal liberdade? Como é que a exercemos, e como é que ela pode ser perdida ou ainda arrancada de nós? É muito importante falarmos disso, pois a liberdade é fundamental para o pleno exercício da cidadania e da própria existência humana.

Para muitas comunidades e nações mundo afora, liberdade é uma palavra que soa como música para os ouvidos, ou mesmo um sonho distante e impensado. Em países como a Coréia do Norte, alguns países do Oriente Médio, e mais próximos de nós, a Venezuela, o conceito pleno de liberdade, ou não existe, ou já ganhou contornos peculiares e bastante distorcidos de seu sentido primordial e, portanto, mais original e irretocável. Sim, porque nesses países citados, tomar decisões, fazer escolhas ou mesmo emitir opinião livre e espontânea sobre o que se pensa, não são atos comuns ou inerentes ao cotidiano da vida do cidadão. Muito pelo contrário, em lugares em que a liberdade, não é plena ou é inexistente, o pensamento diverso, as ideias divergentes ou mesmo as filosofias contrárias à do Estado, qualquer que seja sua forma de organização, são impedidas, sufocadas ou reprimidas de forma veemente. E assim o é, ou por narrativas manipuladas e massivas, ou pelo uso extremo da força. Quando não, da forca e similares.

Para nós brasileiros, principalmente os mais novos, em tese acostumados com uma declarada sensação de liberdade, pensar em uma condição de não liberdade pode parecer distante e sem aplicação efetiva à nossa condição nacional de momento. É importante ressaltar, no entanto, que em nenhuma nação onde a liberdade já não existe, sua perda não se deu de uma hora para outra. A perda da liberdade é, na verdade, uma espécie de doença silenciosa, que se alastra pelo tecido social de maneira sorrateira; apesar dos gritos de poucos, promovida pelo silêncio e isenção da esmagadora maioria. E quando nos damos conta, o tecido está necrosado, e sua recuperação praticamente impossível.

É claro que, no processo da perda da liberdade, algumas ações são confundidas como necessárias para uma anunciada manutenção da ordem. E não são poucos aqueles que concordam e fazem coro. Não foi diferente em 1964. Porém, esse é um posicionamento extremamente perigoso e casuísta. É como armar uma armadilha contra si mesmo. Sim, porque aquilo que momentaneamente pode parecer interessante para favorecimento de uma predileção política ou conveniência ideológica, inevitavelmente, se voltará contra aqueles que as aplaudem hoje. Simplesmente porque os algozes da liberdade, quaisquer que sejam eles, não têm lado e não têm qualquer compromisso ideológico. Suas sanhas apontam para um particular e implacável desejo de poder. Crescente, absoluto e esmagador, que transforma aliados de primeira ordem, inocentes ou não, em massa de manobra para suas astutas e maquiavélicas pretensões.

Portanto, atenção! Na estrada das perdas de direitos e estreitamento de possibilidades, jamais houve via de mão única. A história da humanidade está aí para provar a qualquer atencioso e observador honesto. Quem convenientemente concorda hoje com desmandos oportunos, amanhã lamentará pela liberdade que ajudou a desconstruir e revogar. Aquilo que plantamos, colhemos. E nisso o bom e velho ditado popular sempre se aplica. "Vento que venta lá, venta cá", e "pau que dá em Chico, dá em Francisco". As consequências de nossos oportunismos ou covardias sempre nos alcançam.

 Liberdade! Liberdade! Abre as asas sobre nós! E que a voz da igualdade seja sempre a nossa única, poderosa e genuína voz.