sexta-feira, 13 de setembro de 2024

Narrativas disfarçadas e mentiras travestidas

Por Jânsen Leiros Jr. 

 "Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado." – George Orwell, em seu livro 1984

 "A história será gentil comigo, pois pretendo escrevê-la" – Winston Churchill

 "O que é verdadeiro não é nem arbitrário nem feito, e isso inclui tanto os fatos quanto os eventos." – Hannah Arendt, filósofa política, em seu livro Entre o Passado e o Futuro

 "A história é um conjunto de mentiras sobre as quais se chegou a um acordo." – Napoleão Bonaparte, em uma reflexão sobre a maleabilidade da história

 "A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento." - Milan Kundera, escritor e pensador tcheco, em seu livro O Livro do Riso e do Esquecimento

Vivemos tempos alarmantes em que o ataque à integridade da história tem alcançado níveis críticos. A criação de narrativas distorcidas, erguidas como verdadeiros monumentos de engano, desfigura a realidade e corrompe a verdade. Esse fenômeno é descrito de forma cristalina por George Orwell em 1984: “Quem controla o passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.” A profundidade dessa afirmação nos revela o propósito subjacente da manipulação histórica, onde o poder sobre os fatos passados define o caminho que se trilha para o futuro. E, assim, presenciamos diante de nossos olhos o crime inaceitável de moldar o passado a serviço de interesses particulares, compromissando a capacidade coletiva de compreensão do que é real.

Orwell não estava apenas delineando uma ficção distópica, mas expondo a realidade de uma prática cada vez mais corriqueira. O que estamos vendo hoje é a apropriação de uma verdade que, segundo a advertência de Winston Churchill, será "gentil" com aqueles que a escrevem. O ex-primeiro-ministro britânico reconhecia que o poder de moldar a história confere ao narrador um perigoso privilégio: o de pintar a realidade com cores convenientes. Isso é justamente o que vemos hoje: indivíduos e grupos que se arrogam o direito de registrar uma versão da história que favoreça exclusivamente seus próprios interesses, enquanto outras vozes são silenciadas. Tal distorção de perspectivas cria um palco para ambições desmedidas e transforma a história em um recurso manipulável, corrompendo o conhecimento coletivo e compromissando o entendimento genuíno dos eventos.

Essas narrativas deturpadas são mais do que apenas enganosas; elas são, como advertiu Hannah Arendt, perigosamente corrosivas para a verdade. Ao afirmar que “o que é verdadeiro não é nem arbitrário nem feito”, Arendt estabelece um princípio fundamental: fatos são inalienáveis, não podem ser moldados à vontade. No entanto, quando a história é manipulada para servir a uma visão unilateral, uma realidade paralela é criada, onde a verdadeira aprendizagem e compreensão se esvaem. O que resta é uma versão empobrecida e deformada da realidade, uma mentira travestida de verdade que perpetua decisões e crenças equivocadas, impactando não apenas a geração presente, mas comprometendo o futuro.

Esse fenômeno de adulterar o passado para satisfazer interesses presentes é um exemplo claro de corrupção moral e intelectual. Como Milan Kundera sabiamente observou, “A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o esquecimento.” A memória coletiva deve ser protegida, pois sua adulteração implica a criação de um presente falsificado, onde os erros do passado, ao invés de serem corrigidos, são dissimulados. A prática de apagar ou distorcer fatos históricos em nome de agendas políticas ou pessoais não é apenas um ato de desonestidade intelectual; é uma traição ao próprio princípio da verdade.

Esta distorção histórica não é uma ameaça nova. Outros pensadores, como o filósofo espanhol George Santayana, advertiram: “Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo.” Este eco de sabedoria nos lembra que a história, se manipulada ou esquecida, transforma-se em um ciclo de erros. A negação das lições do passado, ou sua reformulação para atender conveniências oportunistas, priva a sociedade do conhecimento necessário para evitar erros futuros. A história, portanto, não deve ser vista como uma tela em branco para projeções casuístas, mas como um espelho fiel que reflete o que realmente aconteceu e acontece.

Devemos nos posicionar com firmeza contra essa distorção contínua da realidade. Não podemos aceitar que uma verdade fabricada se imponha sobre a verdade histórica. A fabricação de um passado ajustado aos caprichos do presente, ou mesmo a maquiagem de um presente que viabilize pretensões futuras, cria uma falsa sensação de entendimento, erguendo muros entre nós e a realidade, minando nossa capacidade de aprendizado genuíno. Essa deturpação, quando não combatida, legitima a criação de mitos e narrativas enganosas que comprometem a construção de um desenvolvimento sustentável e mais esclarecido. O filósofo francês Paul Ricoeur, em sua análise sobre a memória e a história, adverte sobre a necessidade de manter a verdade histórica preservada, argumentando que “A memória ferida pode ser manipulada, transformando a dor do passado em arma política.” Isso reflete o perigo de se apropriar da história para manipular os sentimentos e ações do presente.

Rejeitemos, portanto, qualquer tentativa de moldar o passado ou mascarar o presente, para que se ajuste às conveniências transitórias e particulares. O verdadeiro conhecimento é construído sobre a base sólida da honestidade e precisão, não sobre realidade esculpida ou distorção dos fatos. Assim como apontado por Arendt, o verdadeiro desafio da história é manter sua integridade. Isso é essencial para garantir que a humanidade possa aprender com seus erros, preservando as complexidades e nuances que tornam o passado um recurso de valor incalculável para a construção de um futuro justo.

Um futuro promissor, portanto, aprende com a verdadeira história. Não com uma versão criada para enganar e manipular. É nossa responsabilidade coletiva proteger a integridade da verdade histórica, garantindo que o passado, com toda a sua complexidade, seja um farol de compreensão e aprendizado, e não uma ferramenta de controle e distorção. Na preservação da história como ela é – com suas lições duras e triunfos genuínos – reside nossa chance de garantir que o futuro seja construído sobre alicerces verdadeiros e não sobre a areia movediça de mentiras travestidas de verdade.

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