Por Jânsen Leiros Jr.
Vivemos
tempos alarmantes em que o ataque à integridade da história tem alcançado
níveis críticos. A criação de narrativas distorcidas, erguidas como verdadeiros
monumentos de engano, desfigura a realidade e corrompe a verdade. Esse fenômeno
é descrito de forma cristalina por George Orwell em 1984: “Quem controla o
passado controla o futuro; quem controla o presente controla o passado.” A
profundidade dessa afirmação nos revela o propósito subjacente da manipulação
histórica, onde o poder sobre os fatos passados define o caminho que se trilha
para o futuro. E, assim, presenciamos diante de nossos olhos o crime
inaceitável de moldar o passado a serviço de interesses particulares,
compromissando a capacidade coletiva de compreensão do que é real.
Orwell
não estava apenas delineando uma ficção distópica, mas expondo a realidade de
uma prática cada vez mais corriqueira. O que estamos vendo hoje é a apropriação
de uma verdade que, segundo a advertência de Winston Churchill, será
"gentil" com aqueles que a escrevem. O ex-primeiro-ministro britânico
reconhecia que o poder de moldar a história confere ao narrador um perigoso
privilégio: o de pintar a realidade com cores convenientes. Isso é justamente o
que vemos hoje: indivíduos e grupos que se arrogam o direito de registrar uma
versão da história que favoreça exclusivamente seus próprios interesses,
enquanto outras vozes são silenciadas. Tal distorção de perspectivas cria um
palco para ambições desmedidas e transforma a história em um recurso
manipulável, corrompendo o conhecimento coletivo e compromissando o
entendimento genuíno dos eventos.
Essas
narrativas deturpadas são mais do que apenas enganosas; elas são, como advertiu
Hannah Arendt, perigosamente corrosivas para a verdade. Ao afirmar que “o que é
verdadeiro não é nem arbitrário nem feito”, Arendt estabelece um princípio
fundamental: fatos são inalienáveis, não podem ser moldados à vontade. No
entanto, quando a história é manipulada para servir a uma visão unilateral, uma
realidade paralela é criada, onde a verdadeira aprendizagem e compreensão se
esvaem. O que resta é uma versão empobrecida e deformada da realidade, uma
mentira travestida de verdade que perpetua decisões e crenças equivocadas,
impactando não apenas a geração presente, mas comprometendo o futuro.
Esse
fenômeno de adulterar o passado para satisfazer interesses presentes é um
exemplo claro de corrupção moral e intelectual. Como Milan Kundera sabiamente
observou, “A luta do homem contra o poder é a luta da memória contra o
esquecimento.” A memória coletiva deve ser protegida, pois sua adulteração
implica a criação de um presente falsificado, onde os erros do passado, ao
invés de serem corrigidos, são dissimulados. A prática de apagar ou distorcer
fatos históricos em nome de agendas políticas ou pessoais não é apenas um ato
de desonestidade intelectual; é uma traição ao próprio princípio da verdade.
Esta
distorção histórica não é uma ameaça nova. Outros pensadores, como o filósofo
espanhol George Santayana, advertiram: “Aqueles que não conseguem lembrar o
passado estão condenados a repeti-lo.” Este eco de sabedoria nos lembra que a
história, se manipulada ou esquecida, transforma-se em um ciclo de erros. A
negação das lições do passado, ou sua reformulação para atender conveniências
oportunistas, priva a sociedade do conhecimento necessário para evitar erros
futuros. A história, portanto, não deve ser vista como uma tela em branco para
projeções casuístas, mas como um espelho fiel que reflete o que realmente
aconteceu e acontece.
Devemos
nos posicionar com firmeza contra essa distorção contínua da realidade. Não
podemos aceitar que uma verdade fabricada se imponha sobre a verdade histórica.
A fabricação de um passado ajustado aos caprichos do presente, ou mesmo a
maquiagem de um presente que viabilize pretensões futuras, cria uma falsa
sensação de entendimento, erguendo muros entre nós e a realidade, minando nossa
capacidade de aprendizado genuíno. Essa deturpação, quando não combatida,
legitima a criação de mitos e narrativas enganosas que comprometem a construção
de um desenvolvimento sustentável e mais esclarecido. O filósofo francês Paul
Ricoeur, em sua análise sobre a memória e a história, adverte sobre a
necessidade de manter a verdade histórica preservada, argumentando que “A
memória ferida pode ser manipulada, transformando a dor do passado em arma
política.” Isso reflete o perigo de se apropriar da história para manipular os
sentimentos e ações do presente.
Rejeitemos,
portanto, qualquer tentativa de moldar o passado ou mascarar o presente, para
que se ajuste às conveniências transitórias e particulares. O verdadeiro
conhecimento é construído sobre a base sólida da honestidade e precisão, não
sobre realidade esculpida ou distorção dos fatos. Assim como apontado por
Arendt, o verdadeiro desafio da história é manter sua integridade. Isso é
essencial para garantir que a humanidade possa aprender com seus erros,
preservando as complexidades e nuances que tornam o passado um recurso de valor
incalculável para a construção de um futuro justo.
Um
futuro promissor, portanto, aprende com a verdadeira história. Não com uma
versão criada para enganar e manipular. É nossa responsabilidade coletiva
proteger a integridade da verdade histórica, garantindo que o passado, com toda
a sua complexidade, seja um farol de compreensão e aprendizado, e não uma
ferramenta de controle e distorção. Na preservação da história como ela é – com
suas lições duras e triunfos genuínos – reside nossa chance de garantir que o
futuro seja construído sobre alicerces verdadeiros e não sobre a areia movediça
de mentiras travestidas de verdade.
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