sábado, 15 de março de 2025

Um Novo Slogan para um novo blog


Ao longo dos anos, meu blog tem sido um espaço para reflexões, análises e discussões sobre os mais diversos temas que nos cercam. Comecei com a ideia de “passear pelo mundo aparente”, explorando aquilo que é visível e perceptível. No entanto, percebi que minha escrita vai além da superfície — ela mergulha na essência dos fatos, buscando sentido, coerência e compreensão mais profunda.

Por isso, hoje apresento o novo slogan do Blog do Jânsen Leiros:

“Entre fé, razão e sociedade”

Esse slogan traduz melhor o propósito deste espaço. Aqui, transitamos entre a espiritualidade e a lógica, entre a filosofia e os acontecimentos do mundo, entre a reflexão teológica e as dinâmicas da sociedade. A fé nos dá direção, a razão nos desafia a pensar, e a sociedade nos apresenta as realidades que precisamos compreender e questionar.

Seja você um leitor antigo ou alguém que está chegando agora, convido a continuar essa jornada comigo. Vamos refletir, debater e buscar, juntos, um olhar mais profundo sobre o que realmente importa.

Seja bem-vindo ao Blog do Jânsen Leiros – Entre fé, razão e sociedade.

quinta-feira, 6 de março de 2025

Educação e Mediocridade: Quando o Ensino Deixa de Transformar

 

Por Jânsen Leiros Jr.

A educação deveria ser o alicerce do pensamento crítico, do questionamento e da autonomia intelectual. No entanto, ao longo das décadas, tornou-se uma engrenagem que reproduz conformismo e superficialidade, moldando indivíduos para a aceitação passiva da mediocridade. A função essencial do ensino foi progressivamente esvaziada e substituída por uma lógica produtivista e mercadológica, onde o importante não é aprender, mas apenas passar de ano e obter certificados. Esse movimento de desvalorização do aprendizado real reflete uma sociedade que, cada vez mais, prioriza a conveniência e a agilidade sobre a profundidade e o conteúdo substancial.

O filósofo John Dewey, na defesa de uma educação baseada na experimentação e no pensamento independente, alertava sobre os riscos de um ensino que apenas despeja informações sem promover a reflexão. A escola moderna, em vez de ser um espaço de formação do intelecto, tornou-se uma instituição burocrática que trata o aprendizado como uma linha de montagem. A padronização excessiva dos conteúdos e das métricas de avaliação sufoca qualquer tentativa de desenvolvimento individual, tornando os alunos consumidores passivos de conteúdo. Isso se reflete, por exemplo, na forma como a avaliação se tornou uma mera formalidade, distante de um real exercício de conhecimento crítico.

O pensador Paulo Freire, por sua vez, denunciou o que chamava de "educação bancária", na qual o aluno é tratado como um recipiente vazio, que deve ser preenchido com informação e depois avaliado por sua capacidade de reproduzi-la. Esse modelo, ao invés de estimular o pensamento crítico e a criatividade, gera uma massa de indivíduos treinados para obedecer sem questionar, aceitando verdades prontas e evitando o esforço intelectual necessário para compreensão real do mundo. A educação não se limita à mera transmissão de saberes, mas deve ser um processo dinâmico, que fomente a curiosidade e a capacidade de estabelecer relações entre as informações adquiridas.

O Ensino como Ferramenta de Massificação

A degradação da educação não ocorre por acaso. O sociólogo Pierre Bourdieu destacou como os sistemas educacionais perpetuam as estruturas de poder e reproduzem desigualdades sociais. No modelo atual, alunos de elite têm acesso a uma formação diferenciada, com conteúdos, metodologias e estímulos que desenvolvem pensamento crítico e autonomia. Enquanto isso, a maioria da população recebe um ensino padronizado, superficial e voltado mais para a conformidade do que para a reflexão. Essa lógica não apenas limita a ascensão social, mas fortalece a manutenção do status quo, garantindo que a elite intelectual e econômica continue no controle. A educação, portanto, se torna um mecanismo para reproduzir as diferenças sociais em vez de uma ferramenta para questioná-las.

O problema se agrava com a concepção generalizada de que ter um diploma é mais importante do que realmente adquirir conhecimento. A massificação do ensino superior, embora tenha democratizado o acesso à educação formal, também deu origem a um mercado de ensino voltado para o volume, e não para a qualidade. Muitas instituições se tornaram verdadeiros despachantes de diplomas, oferecendo cursos com currículos genéricos e pouco desafiadores, cujo principal objetivo é garantir que o maior número possível de alunos obtenha certificação, independentemente de sua real capacitação. Isso tem implicações diretas no mercado de trabalho, criando uma falsa sensação de competência onde ela não existe, além de contribuir para a produção de um saber superficial, sem bases teóricas sólidas.

O filósofo Theodor Adorno, ao analisar a sociedade da cultura de massa, já alertava para o perigo de uma educação que, em vez de libertar, condiciona o indivíduo a um pensamento raso e conformista. A ausência de um ensino voltado para o debate e a análise crítica resulta em profissionais tecnicamente capacitados, mas intelectualmente limitados. Forma-se assim uma massa de indivíduos que, apesar de possuírem diplomas, não desenvolvem a capacidade de questionar, inovar ou problematizar o mundo ao seu redor. Nesse contexto, o conceito de "meritocracia", quando mal interpretado, se torna uma armadilha, pois supõe que a educação de massa seja suficiente para garantir oportunidades para todos, quando, na realidade, ela oferece um produto educacional homogêneo, sem o diferencial necessário para o verdadeiro mérito.

Esse cenário também leva à ilusão da meritocracia, onde o simples fato de possuir um diploma passa a ser visto como um símbolo de competência. No entanto, sem um ensino que verdadeiramente estimule a autonomia intelectual, o diploma se torna um artefato vazio, criando um ciclo de mediocridade institucionalizada. O que antes era um espaço de questionamento e pesquisa – a universidade – se transforma, em muitos casos, em uma linha de produção de graduados sem substância. Como bem observou Hannah Arendt, a educação tem o papel de introduzir as novas gerações no mundo do pensamento e da responsabilidade. Mas, quando falha nessa missão, gera indivíduos que simplesmente reproduzem discursos e práticas sem compreender sua profundidade ou implicações.

O resultado dessa deterioração é um mercado de trabalho repleto de profissionais que seguem roteiros preestabelecidos, mas que raramente demonstram criatividade, pensamento independente ou capacidade de inovação. Empresas e instituições, por sua vez, acabam se adaptando a essa realidade, priorizando a obediência a regras e a execução mecânica de tarefas em detrimento da reflexão e da busca por soluções originais. Assim, a mediocridade se perpetua, reforçada por um modelo educacional que mais forma consumidores do que cidadãos críticos.

Se a educação é, de fato, o motor do progresso, é preciso questionar: qual educação?

O modelo atual, muitas vezes, mais apaga do que ilumina, mais conforma do que emancipa. A questão não é apenas oferecer acesso à escola ou à universidade, mas garantir que esses espaços sejam verdadeiramente formadores de indivíduos capazes de pensar por si mesmos. Afinal, uma sociedade que não exige excelência intelectual de seus cidadãos está fadada a ser governada por discursos fáceis, soluções superficiais e líderes medíocres.

O Ensino Como Ferramenta de Doutrinação

Além da deterioração dos padrões acadêmicos e da resistência ao esforço intelectual, um dos fatores mais graves da crise educacional é o aparelhamento ideológico do ensino. Historicamente, os sistemas educacionais têm sido utilizados como instrumentos de formação de pensamento, o que, por si só, não é um problema. Afinal, a educação deve estimular a consciência crítica, fornecer repertório cultural e preparar o indivíduo para interpretar a realidade de maneira independente. O problema surge quando a escola deixa de ser um espaço de aprendizado plural e se torna um mecanismo de doutrinação, onde apenas uma visão de mundo é apresentada como legítima, enquanto outras são silenciadas ou ridicularizadas.

Esse fenômeno ocorre em diferentes momentos históricos e sob diversos espectros ideológicos. Tanto regimes autoritários de esquerda quanto de direita compreenderam o poder da educação como um meio de moldar mentalidades e controlar narrativas. Em sistemas totalitários, o ensino foi amplamente utilizado para fabricar consenso, deslegitimar opositores e transformar instituições acadêmicas em fábricas de militância. Mesmo em democracias, a politização excessiva das escolas e universidades pode levar à substituição do pensamento crítico pelo pensamento alinhado, onde o estudante não é estimulado a questionar, mas sim a reproduzir dogmas.

A captura ideológica da educação pode se manifestar de diversas formas: na seleção enviesada de conteúdos históricos e filosóficos, na ênfase em pautas políticas específicas em detrimento de outras e, principalmente, na pressão sobre professores e alunos para que adotem determinada postura ideológica. Quando a sala de aula se torna um palco de ativismo, em vez de um ambiente de debate livre e aprofundado, a qualidade do ensino sofre, pois a busca pela verdade é substituída pela imposição de crenças.

O filósofo Karl Popper alertava para os perigos do pensamento dogmático, que, ao eliminar o contraditório, cria uma sociedade intelectualmente frágil e incapaz de progresso real. Em uma educação verdadeiramente livre, os alunos não devem ser forçados a aceitar respostas prontas, mas sim incentivados a formular suas próprias questões. Se há um monopólio de ideias dentro do ensino, a diversidade intelectual desaparece, e com ela, a própria essência do aprendizado crítico.

O combate à doutrinação educacional não significa eliminar discussões políticas das escolas e universidades, mas garantir que essas discussões sejam diversas, equilibradas e baseadas em argumentação sólida. A pluralidade de pensamento deve ser incentivada, permitindo que alunos avaliem diferentes perspectivas, questionem premissas e desenvolvam suas próprias convicções, sem coerção ou intimidação. O ensino de qualidade não está na defesa de uma ideologia específica, mas no compromisso inegociável com a verdade, a liberdade de pensamento e o rigor intelectual.

Se a educação continuar sendo instrumentalizada como ferramenta de poder político, o resultado será uma sociedade intelectualmente atrofiada, incapaz de dialogar e refém de discursos extremistas. A única solução para isso é resgatar a autonomia do pensamento, fortalecer o ensino baseado na lógica e no conhecimento sólido, e blindar as instituições acadêmicas contra interferências ideológicas que distorcem sua verdadeira missão. A educação não pode ser um campo de batalha entre ideologias opostas; deve ser um território de liberdade, onde o conhecimento é perseguido sem amarras e a verdade é um fim em si mesma.

A Resistência à Exigência e o Medo do Esforço

A mediocridade educacional também se manifesta na rejeição ao esforço e na infantilização dos alunos. O escritor Allan Bloom, em O Declínio da Cultura Ocidental, aponta que o ensino se transformou em uma tentativa de agradar os estudantes, evitando frustrações e desafios que os forçariam a crescer intelectualmente. Esse fenômeno reflete uma mudança profunda na concepção da educação: ao invés de ser um processo de amadurecimento e superação, passou a ser um espaço de conforto e gratificação imediata.

Essa aversão à dificuldade gerou uma cultura educacional na qual qualquer forma de cobrança é rapidamente rotulada como opressão. A excelência acadêmica, que deveria ser incentivada, muitas vezes é vista com desconfiança. Professores que exigem mais dos alunos são tachados de antiquados ou autoritários; estudantes que demonstram interesse genuíno pelo aprendizado são ridicularizados pelos próprios colegas. O resultado é um ambiente de ensino onde se busca nivelar todos por baixo, rebaixando padrões e mascarando deficiências para que todos "pareçam" estar aprendendo – quando, na verdade, estão apenas sendo conduzidos mecanicamente pelo sistema.

O sociólogo Zygmunt Bauman, ao tratar da modernidade líquida, enfatiza que a superficialidade domina não só a cultura, mas também a educação. O aprendizado se tornou descartável, adaptando-se a um mundo onde a informação é abundante, mas a compreensão é rasa. O estudante de hoje tem acesso a uma infinidade de dados na palma da mão, mas raramente é incentivado a desenvolver a capacidade de análise e síntese. O raciocínio lógico, a memorização e a conexão entre os saberes foram substituídas por um consumo passivo de informações fragmentadas, que logo são esquecidas.

Esse empobrecimento intelectual gera indivíduos que, apesar de tecnicamente alfabetizados, são incapazes de estruturar um pensamento complexo, argumentar com profundidade ou sustentar um raciocínio elaborado. O temor ao esforço se manifesta não apenas na sala de aula, mas também no mercado de trabalho e na sociedade em geral. O culto ao imediatismo e à gratificação instantânea faz com que cada vez menos pessoas estejam dispostas a se dedicar ao aprendizado real, que exige tempo, paciência e persistência.

Esse fenômeno tem consequências severas. A falta de uma cultura de exigência acadêmica resulta em uma sociedade incapaz de lidar com a complexidade do mundo moderno. Questões políticas, econômicas e sociais são reduzidas a slogans vazios, discursos simplistas e polarizações extremas. A ausência do hábito de refletir e argumentar faz com que indivíduos se tornem presas fáceis para narrativas manipuladoras e soluções fáceis que, na prática, apenas amplificam os problemas.

Se a educação tem como objetivo preparar cidadãos para atuar de forma crítica e ativa no mundo, é fundamental resgatar o valor do esforço e da exigência. Aprender é um processo que envolve desconforto, desafios e, muitas vezes, frustração. Mas é justamente essa jornada que leva ao verdadeiro crescimento intelectual. Sem a disposição para enfrentar dificuldades, a sociedade se torna um espaço de mediocridade, onde a comodidade e a superficialidade triunfam sobre a excelência e o pensamento crítico.

A Urgência da Mudança

Se a educação continuar sendo essa fábrica de mediocridade, formaremos gerações incapazes de questionar, inovar e transformar a sociedade. A consequência desse processo não se limita apenas à esfera acadêmica, mas atinge diretamente a política, a economia e a cultura. Indivíduos que não foram treinados para pensar criticamente tornam-se alvos fáceis para discursos manipuladores, incapazes de identificar falácias e vulneráveis à desinformação. O conformismo se instala, e uma sociedade incapaz de refletir sobre si mesma perde o rumo, tornando-se refém de soluções simplistas para problemas complexos.

O resgate da educação passa, antes de tudo, pela valorização da exigência acadêmica, da autonomia intelectual e da busca pela verdade. Isso significa romper com a mentalidade do ensino como mero cumprimento de protocolos burocráticos e retomar o compromisso com a formação de indivíduos verdadeiramente preparados para a realidade. Uma educação de qualidade não pode ter como objetivo apenas a aprovação em exames ou a obtenção de diplomas, mas sim a formação de cidadãos capazes de pensar, argumentar e agir com responsabilidade e discernimento.

Os modelos educacionais precisam ser reformulados para estimular a criatividade, a argumentação e o aprofundamento real do conhecimento. Em vez de adestrar alunos a decorar conteúdos, sem necessariamente compreendê-los, as escolas e universidades devem incentivar o pensamento independente, o debate fundamentado e a busca ativa por respostas. Aprender não pode ser um ato passivo, mas sim um processo dinâmico e desafiador, que exige investigação, análise e espírito crítico. Para isso, é essencial que os professores tenham liberdade e recursos para desenvolver métodos de ensino que promovam a reflexão e o questionamento, em vez de apenas cumprir currículos engessados e politicamente controlados.

Além disso, devemos resgatar a noção de que o aprendizado exige esforço, dedicação e, acima de tudo, paixão pela verdade. O conhecimento não pode ser tratado como um produto de consumo rápido, mas sim como uma conquista que demanda tempo e empenho. É preciso ensinar desde cedo que a excelência não nasce do conforto, mas do enfrentamento dos desafios, do erro como aprendizado e da persistência diante das dificuldades. O medo do fracasso, quando bem orientado, pode ser um motor para o crescimento, e não uma justificativa para rebaixar padrões.

            A transformação da educação de um sistema de conformismo em uma forja de mentes brilhantes e questionadoras depende, portanto, de um esforço coletivo. Pais, professores, alunos e formuladores de políticas públicas precisam abandonar a ilusão de que aprendizado pode ser fácil, rápido ou indolor. Somente quando a sociedade como um todo voltar a valorizar a educação não como um direito automático, mas como um privilégio a ser conquistado com esforço e dedicação, será possível reverter essa espiral de mediocridade. O desafio é imenso, mas o futuro depende disso, e isso de nossa conscientização coletiva.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

O que é Mediocridade e como ela se impõe

 

Por Jânsen Leiros Jr.

O conceito de mediocridade, muitas vezes relegado a uma avaliação superficial de comportamentos e produtos, carrega consigo um peso muito maior na sociedade moderna. A mediocridade não se limita apenas ao comportamento humano ou à busca por resultados fáceis, mas reflete uma desconexão profunda com o que realmente importa: a autenticidade e o esforço genuíno. Este fenômeno, visível desde o século XVIII até os dias atuais, transcende fronteiras temporais e revela uma repetição de padrões de pensamento e ação que limitam nossa capacidade de desenvolvimento.

A Continuidade da Mediocridade: Passado e Presente

No século XVIII, pensadores como Jean-Jacques Rousseau já alertavam para a alienação do ser humano diante da superficialidade da vida social. O filósofo francês via com preocupação o avanço de uma sociedade que priorizava a aparência e as convenções sociais em detrimento da busca sincera pelo conhecimento e pela autenticidade do ser. Rousseau, em sua obra O Discurso sobre a Desigualdade (1755), analisava como as instituições e normas sociais estavam moldando o ser humano de forma superficial, afastando-o da natureza e da verdade. A mediocridade, para ele, está na tentativa de nos moldarmos a padrões impostos pela sociedade, em vez de seguir nossa verdadeira essência.

Hoje, a mediocridade se manifesta com um vigor ainda maior, mas em novas formas. As redes sociais, por exemplo, amplificam a busca incessante pela aprovação externa. A pressão pela visibilidade e o culto ao "like" e à aceitação popular não são uma invenção moderna; ao contrário, são uma versão intensificada da preocupação que Rousseau tinha com a busca por status. O filósofo já advertia que a necessidade de aprovação social poderia minar o verdadeiro potencial humano.

Na política, a ascensão de discursos populistas e simplistas é um reflexo direto desse comportamento medíocre. Líderes que priorizam a retórica emocional em vez de um debate profundo e analítico não são novidade. Eles existem desde os tempos da antiga Roma, mas nos dias atuais, ganham força em tempos de crise e incerteza. A mediocridade política não se traduz apenas pela falta de substância nas propostas, mas pela superficialidade que permeia a forma como esses discursos são consumidos pela sociedade. A complexidade do mundo moderno exige soluções profundas, mas, muitas vezes, o que temos são respostas simplistas e evasivas que tratam os problemas como se fossem questões de fácil resolução.

A Mediocridade na Educação e na Cultura

A mediocridade também encontrou seu espaço nos sistemas educacionais, onde a ênfase em resultados quantitativos, como notas e testes padronizados, substituiu o verdadeiro desenvolvimento do pensamento crítico e criativo. A educação moderna, sob a ótica de filósofos como John Dewey, deveria ser uma plataforma para a experimentação e o desenvolvimento do pensamento independente. No entanto, a realidade é que muitos sistemas educacionais estão cada vez mais orientados para o ensino superficial e a obtenção de resultados rápidos, em vez de fomentar a curiosidade intelectual.

No campo cultural, essa mediocridade se traduz em um consumo acelerado e muitas vezes vazio de produtos culturais. A cultura pop, que deveria ser um espaço de reflexão, experimentação e questionamento, muitas vezes se limita a oferecer produtos fáceis e instantâneos que atendem às demandas imediatas de um público superficial. A sociedade contemporânea, conforme apontado por Theodor Adorno e Max Horkheimer na Dialética do Esclarecimento (1944), substitui a arte e a cultura genuínas por uma indústria cultural que busca apenas satisfazer o desejo de consumo imediato, sem preocupação com o impacto cultural e intelectual.

A Superficialidade das Redes Sociais: O Progresso ou a Regressão?

Vivemos em uma época onde as redes sociais, que deveriam ser uma ferramenta de avanço e liberdade, muitas vezes se transformam em um terreno fértil para a propagação da mediocridade. A busca incessante por seguidores, likes e curtidas tornou-se um objetivo em si mesmo, obscurecendo a essência da comunicação e da conexão humana genuína. Na realidade, aquilo que chamamos de "progresso" nas redes sociais é, na verdade, uma regressão disfarçada de avanço. Tornamo-nos dependentes de um algoritmo que nos ensina a buscar aprovação, enquanto nos afastamos da essência do ser humano. Nos tornamos prisioneiros de um sistema que valoriza mais a visibilidade do que a substância. A pergunta é: vistos por quem e para quê?

Esse fenômeno é amplificado pela crítica de Guy Debord em A Sociedade do Espetáculo (1967), onde ele argumenta que a vida social se transformou em uma mera troca de imagens, uma superfície que oculta a realidade mais profunda da condição humana. As redes sociais se tornaram o reflexo de uma sociedade dominada pela espetacularização, onde a imagem vale mais que o conteúdo, e o superficial se sobrepõe ao autêntico.

Alternativas à Mediocridade: Um Caminho para a Autenticidade

Para combater a mediocridade, não basta apenas denunciar a superficialidade. É necessário agir, reorientando nossas escolhas e nossos valores em direção a algo mais autêntico e verdadeiro. O primeiro passo é uma revalorização da autonomia intelectual e criativa. Isso significa cultivar a curiosidade genuína, a capacidade de questionar e a disposição para ir além das respostas fáceis. A autenticidade não se resume a se apresentar como "diferente", mas sim a ser verdadeiramente quem somos, sem medo de falhar ou de não agradar.

Na educação, por exemplo, é imperativo criar um ambiente que valorize o pensamento crítico e a reflexão. O ensino deve ir além de ensinar o que está nos livros; deve ensinar a pensar, a questionar e a desafiar. A verdadeira educação não é aquela que prepara para um mercado de trabalho, mas aquela que prepara para a vida em sociedade, para a reflexão sobre o nosso papel no mundo e para a construção de uma sociedade mais justa e equitativa.

Na política, a mudança requer um retorno à profundidade do debate. Não podemos permitir que a simplificação excessiva dos problemas seja aceita como norma. A política deve ser um campo de discussão genuína, onde as soluções para os problemas sociais, econômicos e culturais sejam debatidas de maneira aberta e honesta. Só assim será possível encontrar respostas que realmente atendam às necessidades da população, e não às expectativas superficiais de uma sociedade medíocre.

A Autenticidade como Resposta à Mediocridade

A autenticidade, nesse cenário, é a chave para desafiar a mediocridade. Ser autêntico não significa seguir as normas ou buscar aprovação; é se reapropriar da capacidade de ser quem somos, sem filtros e sem medo. Em um mundo saturado de imagens e máscaras, ser autêntico é um ato radical de resistência. A autenticidade, assim, torna-se a maior arma contra a superficialidade que assola o mundo contemporâneo.

A maior pergunta que se coloca diante de nós é: estamos dispostos a viver de acordo com a nossa essência ou vamos continuar a seguir a corrente da mediocridade que nos é imposta por forças externas? O resgate da autenticidade não é fácil, mas é, sem dúvida, a única forma de nos libertarmos de uma sociedade que, cada vez mais, se contenta com o ordinário.

Desafios e Caminhos para Resistência

A normalização da mediocridade não é um fenômeno isolado, mas um reflexo das pressões sociais, educacionais e culturais que moldam nossas escolhas e prioridades. Ao longo de nossa análise, vimos como o conformismo, a superficialidade e a falta de um esforço genuíno para a excelência têm se infiltrado não apenas nas práticas educacionais, mas em muitos outros aspectos de nossa vida cotidiana. Ao discutirmos as ideias de grandes pensadores como Platão, Sartre, Freire e Camus, fomos desafiados a refletir sobre o verdadeiro valor do esforço intelectual e da busca pela verdade e autenticidade.

Contudo, a luta contra essa mediocridade imposta exige mais do que uma crítica intelectual. Ela demanda ação. Como podemos, na prática, resistir a essa onda de facilidades e superficialidades que dominam a educação e a cultura? O próximo passo, que será explorado na nossa reflexão da próxima semana, nos conduzirá a um campo fundamental: a educação. Como podemos resgatar o verdadeiro propósito da formação acadêmica e torná-la um espaço de desenvolvimento profundo e reflexivo? Como podemos garantir que as futuras gerações não sejam moldadas apenas pela velocidade dos algoritmos ou pelas promessas fáceis, mas pelo rigor do pensamento crítico e pela busca por um conhecimento genuíno e transformador?

Essa jornada de reflexão está apenas começando. Na próxima semana, vamos dar um passo crucial em direção a um entendimento mais profundo sobre o papel da educação como resistência à mediocridade e como podemos, todos juntos, lutar por um futuro onde a excelência intelectual não seja uma exceção, mas o padrão. Esteja preparado para questionar, refletir e agir, pois o futuro da educação depende de nossa capacidade de não nos conformarmos com o fácil, mas de exigir o desafio e o valor do esforço verdadeiro.

Déficit das Estatais - Gestão ou Estratégia?

Por Jânsen Leiros Jr.

        Nos últimos anos, o desempenho financeiro das empresas estatais federais tem sido um termômetro importante para avaliar a condução da política econômica e a solidez da administração pública. Os números são claros: em 2022, essas empresas registraram um lucro recorde de R$ 209,7 bilhões até o terceiro trimestre; já em 2024, dados preliminares indicam um déficit de R$ 6,7 bilhões, o primeiro prejuízo desde 2015. O que explica essa virada tão brusca? E, mais importante, o que isso significa para a economia brasileira?


Uma trajetória de altos e baixos

Entre 2018 e 2021, o lucro das estatais seguiu uma curva ascendente, com exceção de 2020, quando os efeitos da pandemia de COVID-19 impactaram negativamente os resultados. A recuperação veio forte em 2021, impulsionada pelo aumento no preço das commodities e pelo reaquecimento da economia global. No entanto, a partir de 2023, a trajetória começou a mudar.

A Petrobras, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o BNDES, que historicamente foram os principais responsáveis pelos lucros das estatais, tiveram seus modelos de gestão ajustados. Em especial, a mudança na política de preços da Petrobras e as novas diretrizes para os bancos públicos impactaram diretamente seus resultados.

O déficit de 2024: crise ou escolha?

A queda nos lucros pode ser atribuída a uma série de fatores, mas dois se destacam: a gestão interna das empresas e o papel do governo federal no direcionamento de seus recursos.

  1. Mudança de estratégia e gestão
    • A revisão das políticas de preços e atuação das estatais, especialmente no setor energético e financeiro, pode ter reduzido a rentabilidade das empresas.
    • A priorização de políticas sociais e subsídios sobre o lucro pode ter comprometido a eficiência operacional.
  2. Aumento dos repasses ao governo
    • Em 2024, as estatais transferiram R$ 72 bilhões ao governo federal em forma de dividendos, um aumento de 46% em relação a 2023.
    • Com um déficit fiscal expressivo, o governo pode estar utilizando os lucros das estatais para cobrir gastos públicos, em detrimento dos investimentos e da sustentabilidade financeira dessas empresas.
  3. Investimentos elevados[1]
    • Houve um aumento de 44,1% nos investimentos das estatais em 2024, totalizando R$ 96,18 bilhões.
    • Embora o investimento seja positivo para o crescimento de longo prazo, ele pode ter pressionado o caixa das empresas no curto prazo, contribuindo para o déficit registrado.

Reflexos no mercado e para os investidores

As ações de empresas como Petrobras e Banco do Brasil são altamente sensíveis às decisões governamentais. Quando o mercado percebe um risco maior de ingerência política e instabilidade na gestão, o reflexo imediato é uma queda na confiança dos investidores, com consequente desvalorização dos papéis. No longo prazo, isso pode afetar a capacidade de captação de recursos e, eventualmente, os preços dos serviços prestados à população.

O que esperar?

Seja por mudanças estratégicas, pela necessidade de cobrir gastos do governo ou pela priorização de investimentos em detrimento do lucro imediato, o resultado de 2024 exige explicações mais claras do poder público. Afinal, a estabilidade das estatais é um pilar fundamental para a economia do país. Transparência, previsibilidade e uma gestão técnica são elementos essenciais para reverter essa tendência e garantir que essas empresas continuem a cumprir seu papel sem comprometer sua sustentabilidade financeira.


[1] Em 2024, as empresas estatais federais aumentaram seus investimentos em 44,1% em relação a 2023, totalizando R$ 96,18 bilhões. Esse crescimento foi liderado pelo grupo Petrobras, que destinou R$ 85,5 bilhões a projetos estratégicos, o dobro do valor investido em 2022.

Detalhamento dos Investimentos:

·         Petrobras: A maior parte dos investimentos da Petrobras foi direcionada para a área de Exploração e Produção (E&P), com foco no desenvolvimento de novos campos de petróleo e gás, especialmente no pré-sal. Além disso, a empresa destinou entre 6% e 15% do CAPEX total para projetos de baixo carbono, alinhando-se às práticas de governança e sustentabilidade financeira de longo prazo.

·         Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal: Embora os valores exatos não tenham sido detalhados nas fontes disponíveis, esses bancos públicos provavelmente direcionaram seus investimentos para a expansão de serviços digitais, melhoria da infraestrutura tecnológica e ampliação da oferta de crédito para setores estratégicos da economia.

·         ENBPar (Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional): Os investimentos da ENBPar foram voltados para a manutenção e expansão da infraestrutura de energia nuclear e projetos binacionais, garantindo a segurança energética e o desenvolvimento sustentável.

Para uma compreensão mais detalhada sobre a natureza específica desses investimentos e assegurar que os recursos foram aplicados de maneira estratégica e transparente, recomenda-se a consulta aos relatórios anuais e demonstrativos financeiros de cada empresa. Esses documentos estão disponíveis nos sites oficiais das respectivas estatais e no portal do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

 

 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

A Ditadura da Mediocridade: O Império do Raso e do Efêmero

Por Jânsen Leiros Jr.

 

Zygmunt Bauman – “Na modernidade líquida, a cultura perde sua função crítica e educativa, tornando-se um instrumento de distração e entretenimento.”

📌 (Relacionada à superficialidade promovida pela cultura do efêmero e do entretenimento vazio.)

Hannah Arendt – “O maior mal do mundo é o mal cometido por ninguém, ou seja, por seres humanos que se recusam a pensar, a julgar e a se posicionar.”

📌 (Relacionada à passividade intelectual e à aceitação da mediocridade como norma.)

Umberto Eco – “As redes sociais deram voz a uma legião de imbecis que antes falavam apenas no bar, sem prejudicar a coletividade. Agora eles têm o mesmo direito de fala que um Prêmio Nobel.”

📌 (Relacionada à ascensão da opinião rasa e do emburrecimento coletivo via digital.)

José Ortega y Gasset – “O homem-massa não deseja a excelência, mas sim a igualdade na mediocridade.”

📌 (Relacionada ao nivelamento por baixo e à aversão ao esforço e à profundidade.)

Theodore Dalrymple – “Quando a cultura e a educação falham, a barbárie não tarda a se instalar.”

📌 (Relacionada ao empobrecimento intelectual e às consequências de uma sociedade que rejeita a reflexão profunda.)

 

A Superficialidade Triunfante: O Paradoxo da Era da Informação

Vivemos em uma era paradoxal. Nunca tivemos tanto acesso à informação, e, ao mesmo tempo, jamais fomos tão reféns da superficialidade. A era digital, com suas redes sociais e consumo instantâneo, nos lançou em um cenário onde o que é raso se sobrepõe ao que é profundo, e o que é efêmero se impõe ao que é duradouro. A excelência cede espaço ao mediano, e a busca pelo aprimoramento dá lugar ao comodismo da aceitação fácil. Essa inversão de valores configura o que podemos chamar de ditadura da mediocridade[1]: um regime simbólico que nivela por baixo, desvaloriza o conhecimento aprofundado e relega ao esquecimento aqueles que ousam buscar a excelência.

Neste cenário, a diligência, o esmero e a reflexão são vistos como dispensáveis ou até indesejáveis, enquanto a opinião rasa, o entretenimento fugaz e as soluções imediatistas ganham cada vez mais força. Mas quais são as causas desse fenômeno? Como ele se manifesta em diferentes esferas da sociedade? Que consequências trazem para o crescimento e a sustentabilidade de uma nação. E, mais importante! É possível resistir à mediocrização e reverter esse quadro?

Os Alicerces da Mediocridade: Como a Superficialidade se Impõe

A mediocridade não se instala por acaso; ela encontra solo fértil em uma sociedade que valoriza o caminho mais fácil e o reconhecimento rápido. A cultura da instantaneidade, amplificada pelas redes sociais e pelos meios digitais, promove uma busca incessante por curtidas, engajamento e visibilidade, muitas vezes à custa da verdade, da profundidade e do mérito real. O esforço prolongado e a dedicação meticulosa são preteridos por resultados superficiais e de curto prazo.

Essa ditadura se impõe em várias frentes. Na educação, por exemplo, a obtenção de diplomas tornou-se um fim em si mesma, e não um meio para o verdadeiro aprendizado. O pensamento crítico é muitas vezes substituído por respostas decoradas e análises simplistas. No ambiente de trabalho, a produtividade mensurável e imediata se sobrepõe à criatividade e ao planejamento estratégico, enquanto na política, discursos populistas e soluções fáceis suplantam debates sérios e políticas sustentáveis.

A cultura também é vítima dessa mediocridade. O valor do conhecimento, da arte e da reflexão filosófica é frequentemente minimizado em favor do entretenimento descartável. O pensamento profundo dá lugar ao meme, e a literatura densa cede espaço para conteúdos vazios que prometem grandes respostas com o mínimo de esforço intelectual. Essa simplificação do complexo desestimula o questionamento e favorece a manipulação por parte daqueles que lucram com a alienação coletiva.

As consequências desse processo são devastadoras. A médio e a longo prazos, sociedades que se acomodam à mediocridade perdem sua capacidade de inovação e progresso. Quando a excelência deixa de ser incentivada, o pensamento crítico se atrofia, o debate público se empobrece e as soluções para desafios complexos se tornam cada vez mais frágeis e ineficazes.

Resistência e Superação: O Caminho para a Excelência

Diante desse panorama, a resistência à ditadura da mediocridade exige um esforço coletivo e contínuo. Não se trata apenas de apontar falhas e lamentar a superficialidade predominante, mas de criar alternativas concretas que resgatem o valor da excelência, do esforço e do pensamento aprofundado. A educação precisa voltar a estimular a curiosidade e o questionamento. A cultura deve ser incentivada a desafiar, provocar e transformar. O trabalho deve ser visto não apenas como um meio de produção, mas como um espaço de inovação e crescimento.

Esta reflexão é apenas o início de uma série que buscará aprofundar os aspectos dessa realidade e explorar possíveis caminhos para revertermos essa tendência. A mediocridade não é um destino inevitável, mas sim uma ameaça que exige enfrentamento. A escolha entre nos conformarmos ou resistirmos cabe a nós. A pergunta que fica é: qual será o nosso papel nesta batalha?

Aprofundaremos um pouco mais o debate.



[1] Nota do autor: A expressão "ditadura da mediocridade" já foi utilizada em diferentes contextos para descrever fenômenos sociais e culturais que promovem a superficialidade em detrimento da excelência. Um exemplo notável desse conceito pode ser encontrado no artigo de Plínio Corrêa de Oliveira, publicado na Folha de S. Paulo em 20 de junho de 1981, intitulado "Medíocres, mediocratas etc.", onde o autor discute como indivíduos medíocres podem impor uma "ditadura da mediocridade" sobre aqueles com horizontes mais amplos, especialmente quando monopolizam os meios de comunicação social. Também, o cardeal Gerhard Müller utilizou a mesma expressão ao criticar o Caminho Sinodal Alemão, apontando a ameaça à unidade da Igreja quando novas doutrinas ou estruturas são introduzidas sem um consenso universal. No entanto, neste texto, utilizo o termo com um enfoque particular, analisando como a cultura da instantaneidade e do descartável compromete o pensamento crítico, a criatividade e o progresso. Minha intenção é aprofundar essa reflexão e propor caminhos para a resistência e superação desse cenário, buscando, assim, preservar o espaço para a excelência e o aprofundamento genuíno em diversos campos.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

O Colapso da Educação no Brasil


Por Jânsen Leiros Jr. 

 

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.”  - Paulo Freire – Educador e filósofo brasileiro

 “A escola pública é a escola do povo e para o povo. Mas a escola do povo não pode ser uma escola menor, uma escola sem recursos, uma escola sem professores.”  - Anísio Teixeira – Pedagogo e educador brasileiro

 “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.”  - Darcy Ribeiro – Antropólogo e educador brasileiro

 “Uma sociedade que não educa sua população para compreender e questionar o mundo ao seu redor condena-se à mediocridade e ao atraso.”  - Manuel Castells – Sociólogo espanhol especializado em sociedade e tecnologia

 “A democracia tem que nascer de novo a cada geração, e a educação é sua parteira.”  - John Dewey – Filósofo e educador norte-americano

 

Vivemos em um país onde o analfabetismo funcional atinge números assustadores. Para quem não sabe, o analfabeto funcional é aquele que consegue ler palavras e frases simples, mas não é capaz de interpretar ou aplicar o que lê no dia a dia. Segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), cerca de 30% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Isso significa que pouco mais de sessenta milhões de pessoas, no Brasil, não conseguem compreender um texto básico ou realizar operações matemáticas simples, mesmo após anos frequentando escolas. Nem mesmo conseguem absorver conhecimento sobre assuntos que já ouviram ou estudaram em sala de aula.

Esse cenário fica ainda mais alarmante quando olhamos para o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), principal indicador global de educação, que classifica o Brasil entre os últimos colocados em leitura, matemática e ciências. Em 2022, o Brasil ocupava a 57ª posição entre 80 países, um desempenho que já seria preocupante por si só, mas torna-se ainda mais vergonhoso quando analisamos quem está à nossa frente. Países como Cazaquistão (45º), Albânia (52º) e Malásia (50º), cujas economias são menores e enfrentam desafios históricos em desenvolvimento, conseguiram superar o Brasil na avaliação.

O contraste é ainda mais gritante quando observamos nações latino-americanas e africanas que, apesar de um IDH inferior, apresentaram desempenho melhor ou similar ao nosso. O Uruguai (43º), México (51º) e Costa Rica (53º), por exemplo, avançaram significativamente em suas políticas educacionais, demonstrando que é possível obter progresso mesmo sem grandes recursos. Na África, a Botsuana (56º) e a Jordânia (55º) também figuram próximas ao Brasil, mesmo com orçamentos educacionais consideravelmente menores.

Esse desempenho reflete um problema estrutural: um sistema educacional que falha em ensinar o básico e em preparar os alunos para desafios futuros. A educação deveria ser o alicerce do crescimento de uma nação, a pavimentação para um futuro minimamente digno. No entanto, ao ficarmos atrás de países com menor desenvolvimento econômico e social, provamos que estamos regredindo, condenando gerações inteiras à estagnação e aprofundando o fosso da desigualdade.

E o que dizer da nova geração? Uma juventude que passa horas assistindo vídeos curtos nas redes sociais, onde a superficialidade é a regra. Claro, a tecnologia é uma ferramenta poderosa, mas parece que estamos usando uma Ferrari apenas para dar voltas no quarteirão. Enquanto em países como Finlândia e Coreia do Sul a internet é utilizada como um instrumento de reforço ao aprendizado e ao pensamento crítico, no Brasil, ela tem sido, majoritariamente, um veículo de distração e consumo de conteúdo raso.

Um estudo do Comitê Gestor da Internet no Brasil revelou que jovens entre 15 e 24 anos passam, em média, nove horas por dia na internet, sendo a maior parte desse tempo dedicada a conteúdos efêmeros. Isso contrasta com dados de países da América Latina e da África. No Chile e no Uruguai, por exemplo, programas educacionais integram a tecnologia ao ensino formal, resultando em alunos mais preparados para desafios acadêmicos e profissionais. Já em Ruanda e Gana, na África, iniciativas digitais são utilizadas para compensar a falta de infraestrutura escolar, ampliando o acesso à educação. No Brasil, no entanto, o alto consumo de entretenimento descartável reduz a capacidade de atenção e compromete o aprendizado a longo prazo, sem gerar benefícios educacionais significativos.

O filósofo e educador Paulo Freire já alertava que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção", algo que se torna cada vez mais difícil em uma sociedade que privilegia o imediatismo e se satisfaz com aparências. Se países com menos recursos conseguem integrar a tecnologia à educação de forma produtiva, por que seguimos desperdiçando essa oportunidade? A quem interessa uma juventude incapaz de interpretar o mundo ao seu redor?

A falta de interesse pelo conhecimento gera consequências devastadoras. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a deficiência educacional está diretamente ligada à estagnação econômica de um país. Países com altos índices de analfabetismo funcional enfrentam maior dificuldade em se desenvolver tecnologicamente e manter uma economia competitiva. Sem uma população capaz de interpretar e aplicar informações de maneira eficaz, há um impacto negativo na inovação, na produtividade e na capacidade de adaptação às novas exigências do mercado de trabalho. Um exemplo claro é a diferença entre países que investem fortemente em educação, como a Coreia do Sul, e aqueles que negligenciam esse setor, como o Brasil. A Coreia do Sul, que há algumas décadas possuía um sistema educacional precário, hoje está entre os líderes globais em inovação, enquanto o Brasil segue lutando contra índices alarmantes de analfabetismo funcional e evasão escolar. O filósofo Michel Foucault dizia que "saber é poder", mas no Brasil estamos abrindo mão desse poder, permitindo que a ignorância se perpetue como um mecanismo de dominação e controle social.

 

O futuro que se desenha é desolador. Uma geração que não domina habilidades básicas dificilmente poderá competir em um mundo que exige cada vez mais conhecimento e inovação. A falta de qualificação compromete a empregabilidade e reforça desigualdades estruturais. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que trabalhadores com maior escolaridade ganham até três vezes mais que aqueles com ensino fundamental incompleto. Isso significa que a ausência de uma educação de qualidade não apenas limita as oportunidades individuais, mas também mantém milhões de brasileiros presos a ciclos contínuos de pobreza. Além disso, a educação deficiente gera impactos políticos e sociais profundos: cidadãos incapazes de compreender questões complexas tornam-se mais suscetíveis a discursos populistas e à manipulação midiática. O sociólogo Pierre Bourdieu[1] argumentava que a educação é um dos principais instrumentos de reprodução da estrutura social, e no Brasil essa reprodução tem se dado pela manutenção da ignorância como um fator de exclusão e submissão.

O que podemos fazer? Primeiro, é preciso valorizar os professores e investir em formação continuada. A Finlândia, referência mundial em educação, paga bons salários aos docentes e exige alta qualificação e atualização permanente, resultando em um ensino eficiente e respeitado. No Brasil, segundo dados do movimento Todos Pela Educação, mais de 40% dos professores afirmam não ter acesso a capacitação adequada. Isso significa que um número expressivo de docentes não recebe atualização sobre metodologias modernas de ensino, tornando-se reféns de um modelo ultrapassado que não estimula o aprendizado real. Além disso, a profissão docente no Brasil é desvalorizada, com baixos salários e condições de trabalho precárias, o que desmotiva os profissionais e afasta talentos do magistério. Segundo, é urgente reformular o currículo escolar, priorizando o desenvolvimento do pensamento crítico, o incentivo à leitura e a educação digital. Não podemos continuar insistindo em um modelo que forma alunos que decoram fórmulas, mas não sabem aplicá-las. Um currículo que não prepara para o mundo contemporâneo condena a juventude ao fracasso e o país ao atraso.

Pais também têm um papel essencial. Pesquisas indicam que crianças que crescem em ambientes estimulantes, com acesso a livros e conversas educativas em casa, tendem a ter melhor desempenho acadêmico. Estudos conduzidos pelo Instituto Ayrton Senna demonstram que o envolvimento dos pais na educação dos filhos é um dos principais fatores para o sucesso escolar. Em países com alto desempenho educacional, como o Canadá e a Noruega, há uma cultura de participação ativa da família no aprendizado. No Brasil, no entanto, muitos pais delegam completamente essa responsabilidade à escola, sem acompanhar o desempenho dos filhos ou estimular hábitos de leitura e estudo. A educação deve ser um compromisso coletivo, e sem o engajamento das famílias, qualquer reforma educacional será insuficiente.

Não dá para aceitar que a educação continue sendo tratada como um problema menor pelos governantes. As políticas educacionais oscilam conforme interesses políticos, sem continuidade e sem planejamento estratégico de longo prazo. Enquanto países como Singapura implementam reformas consistentes ao longo de décadas, o Brasil muda diretrizes a cada novo governo, sem uma visão clara de futuro. A consequência disso é a perpetuação de um sistema falho, que não forma cidadãos plenos e preparados para os desafios do século XXI. A inércia do poder público aliada à indiferença social é o que nos trouxe até aqui, e se não quebrarmos esse ciclo, o país continuará preso a um modelo de subdesenvolvimento crônico.

A hora de mudar é agora. Não podemos mais permitir que a educação seja vista como um setor secundário, relegado ao esquecimento e à precarização. Precisamos de um movimento urgente e coletivo, que cobre investimentos sérios, valorize professores, reformule currículos e envolva as famílias no processo educacional. Caso contrário, continuaremos colhendo os frutos amargos dessa negligência: uma sociedade que sabe muito sobre memes[2] e pouco sobre si mesma, sua história e seu papel no mundo. O Brasil está à beira de um abismo intelectual, e a única ponte para evitar a queda é a educação. Mas essa ponte precisa ser construída com urgência. Se não agirmos agora, seremos condenados a assistir, impotentes, ao colapso definitivo do futuro de nossa nação.



[1] Pierre Bourdieu (1930-2002) foi um sociólogo francês, conhecido por suas contribuições para a teoria social e análise cultural. Desenvolveu conceitos como "campo social", "habitus" e "capital cultural", que explicam como as estruturas sociais e culturais influenciam a vida individual e coletiva. Bourdieu também estudou as dinâmicas de poder e desigualdade, especialmente no contexto educacional e cultural, criticando as formas de dominação simbólica que reforçam as hierarquias sociais. Seu trabalho é fundamental para as ciências sociais, influenciando áreas como sociologia, educação e estudos culturais.

[2] Memes são unidades de informação cultural que se espalham de pessoa para pessoa, geralmente por meio da internet. Podem ser imagens, vídeos, frases ou ideias que ganham popularidade rapidamente e muitas vezes são adaptados e reutilizados em diferentes contextos. O conceito foi introduzido pelo biólogo Richard Dawkins em O Gene Egoísta (1976), referindo-se a elementos culturais que se propagam de forma análoga aos genes.