“Ensinar
não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção
ou a sua construção.” - Paulo
Freire – Educador e filósofo brasileiro
“A escola pública é a escola do povo e para o povo. Mas a escola do povo não pode ser uma escola menor, uma escola sem recursos, uma escola sem professores.” - Anísio Teixeira – Pedagogo e educador brasileiro
“A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.” - Darcy Ribeiro – Antropólogo e educador brasileiro
“Uma sociedade que não educa sua população para compreender e questionar o mundo ao seu redor condena-se à mediocridade e ao atraso.” - Manuel Castells – Sociólogo espanhol especializado em sociedade e tecnologia
“A democracia tem que nascer de novo a cada geração, e a educação é sua parteira.” - John Dewey – Filósofo e educador norte-americano
Vivemos em um país onde o analfabetismo funcional atinge números
assustadores. Para quem não sabe, o analfabeto funcional é aquele que consegue
ler palavras e frases simples, mas não é capaz de interpretar ou aplicar o que
lê no dia a dia. Segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), cerca
de 30% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Isso significa que pouco
mais de sessenta milhões de pessoas, no Brasil, não conseguem compreender um
texto básico ou realizar operações matemáticas simples, mesmo após anos
frequentando escolas. Nem mesmo conseguem absorver conhecimento sobre assuntos
que já ouviram ou estudaram em sala de aula.
Esse cenário fica ainda mais alarmante quando olhamos para o Pisa
(Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), principal indicador global
de educação, que classifica o Brasil entre os últimos colocados em leitura,
matemática e ciências. Em 2022, o Brasil ocupava a 57ª posição entre 80 países,
um desempenho que já seria preocupante por si só, mas torna-se ainda mais
vergonhoso quando analisamos quem está à nossa frente. Países como Cazaquistão
(45º), Albânia (52º) e Malásia (50º), cujas economias são menores e enfrentam
desafios históricos em desenvolvimento, conseguiram superar o Brasil na
avaliação.
O contraste é ainda mais gritante quando observamos nações
latino-americanas e africanas que, apesar de um IDH inferior, apresentaram
desempenho melhor ou similar ao nosso. O Uruguai (43º), México (51º) e Costa
Rica (53º), por exemplo, avançaram significativamente em suas políticas
educacionais, demonstrando que é possível obter progresso mesmo sem grandes
recursos. Na África, a Botsuana (56º) e a Jordânia (55º) também figuram
próximas ao Brasil, mesmo com orçamentos educacionais consideravelmente
menores.
Esse desempenho reflete um problema estrutural: um sistema educacional
que falha em ensinar o básico e em preparar os alunos para desafios futuros. A
educação deveria ser o alicerce do crescimento de uma nação, a pavimentação
para um futuro minimamente digno. No entanto, ao ficarmos atrás de países com
menor desenvolvimento econômico e social, provamos que estamos regredindo,
condenando gerações inteiras à estagnação e aprofundando o fosso da
desigualdade.
E o que dizer da nova geração? Uma juventude que passa horas assistindo
vídeos curtos nas redes sociais, onde a superficialidade é a regra. Claro, a
tecnologia é uma ferramenta poderosa, mas parece que estamos usando uma Ferrari
apenas para dar voltas no quarteirão. Enquanto em países como Finlândia e
Coreia do Sul a internet é utilizada como um instrumento de reforço ao
aprendizado e ao pensamento crítico, no Brasil, ela tem sido, majoritariamente,
um veículo de distração e consumo de conteúdo raso.
Um estudo do Comitê Gestor da Internet no Brasil revelou que jovens
entre 15 e 24 anos passam, em média, nove horas por dia na internet, sendo a
maior parte desse tempo dedicada a conteúdos efêmeros. Isso contrasta com dados
de países da América Latina e da África. No Chile e no Uruguai, por exemplo,
programas educacionais integram a tecnologia ao ensino formal, resultando em
alunos mais preparados para desafios acadêmicos e profissionais. Já em Ruanda e
Gana, na África, iniciativas digitais são utilizadas para compensar a falta de
infraestrutura escolar, ampliando o acesso à educação. No Brasil, no entanto, o
alto consumo de entretenimento descartável reduz a capacidade de atenção e
compromete o aprendizado a longo prazo, sem gerar benefícios educacionais
significativos.
O filósofo e educador Paulo Freire já alertava que "ensinar não é
transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção",
algo que se torna cada vez mais difícil em uma sociedade que privilegia o
imediatismo e se satisfaz com aparências. Se países com menos recursos
conseguem integrar a tecnologia à educação de forma produtiva, por que seguimos
desperdiçando essa oportunidade? A quem interessa uma juventude incapaz de
interpretar o mundo ao seu redor?
A falta de interesse pelo conhecimento gera consequências devastadoras.
Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a
deficiência educacional está diretamente ligada à estagnação econômica de um
país. Países com altos índices de analfabetismo funcional enfrentam maior
dificuldade em se desenvolver tecnologicamente e manter uma economia
competitiva. Sem uma população capaz de interpretar e aplicar informações de
maneira eficaz, há um impacto negativo na inovação, na produtividade e na
capacidade de adaptação às novas exigências do mercado de trabalho. Um exemplo
claro é a diferença entre países que investem fortemente em educação, como a
Coreia do Sul, e aqueles que negligenciam esse setor, como o Brasil. A Coreia
do Sul, que há algumas décadas possuía um sistema educacional precário, hoje
está entre os líderes globais em inovação, enquanto o Brasil segue lutando
contra índices alarmantes de analfabetismo funcional e evasão escolar. O
filósofo Michel Foucault dizia que "saber é poder", mas no Brasil
estamos abrindo mão desse poder, permitindo que a ignorância se perpetue como
um mecanismo de dominação e controle social.
O futuro que se desenha é desolador. Uma geração que não domina
habilidades básicas dificilmente poderá competir em um mundo que exige cada vez
mais conhecimento e inovação. A falta de qualificação compromete a
empregabilidade e reforça desigualdades estruturais. Dados do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que trabalhadores com
maior escolaridade ganham até três vezes mais que aqueles com ensino
fundamental incompleto. Isso significa que a ausência de uma educação de
qualidade não apenas limita as oportunidades individuais, mas também mantém
milhões de brasileiros presos a ciclos contínuos de pobreza. Além disso, a
educação deficiente gera impactos políticos e sociais profundos: cidadãos
incapazes de compreender questões complexas tornam-se mais suscetíveis a
discursos populistas e à manipulação midiática. O sociólogo Pierre Bourdieu[1]
argumentava que a educação é um dos principais instrumentos de reprodução da
estrutura social, e no Brasil essa reprodução tem se dado pela manutenção da
ignorância como um fator de exclusão e submissão.
O que podemos fazer? Primeiro, é preciso valorizar os professores e
investir em formação continuada. A Finlândia, referência mundial em educação,
paga bons salários aos docentes e exige alta qualificação e atualização
permanente, resultando em um ensino eficiente e respeitado. No Brasil, segundo
dados do movimento Todos Pela Educação, mais de 40% dos professores afirmam não
ter acesso a capacitação adequada. Isso significa que um número expressivo de
docentes não recebe atualização sobre metodologias modernas de ensino,
tornando-se reféns de um modelo ultrapassado que não estimula o aprendizado
real. Além disso, a profissão docente no Brasil é desvalorizada, com baixos
salários e condições de trabalho precárias, o que desmotiva os profissionais e
afasta talentos do magistério. Segundo, é urgente reformular o currículo
escolar, priorizando o desenvolvimento do pensamento crítico, o incentivo à
leitura e a educação digital. Não podemos continuar insistindo em um modelo que
forma alunos que decoram fórmulas, mas não sabem aplicá-las. Um currículo que
não prepara para o mundo contemporâneo condena a juventude ao fracasso e o país
ao atraso.
Pais também têm um papel essencial. Pesquisas indicam que crianças que
crescem em ambientes estimulantes, com acesso a livros e conversas educativas
em casa, tendem a ter melhor desempenho acadêmico. Estudos conduzidos pelo
Instituto Ayrton Senna demonstram que o envolvimento dos pais na educação dos
filhos é um dos principais fatores para o sucesso escolar. Em países com alto
desempenho educacional, como o Canadá e a Noruega, há uma cultura de
participação ativa da família no aprendizado. No Brasil, no entanto, muitos
pais delegam completamente essa responsabilidade à escola, sem acompanhar o
desempenho dos filhos ou estimular hábitos de leitura e estudo. A educação deve
ser um compromisso coletivo, e sem o engajamento das famílias, qualquer reforma
educacional será insuficiente.
Não dá para aceitar que a educação continue sendo tratada como um
problema menor pelos governantes. As políticas educacionais oscilam conforme
interesses políticos, sem continuidade e sem planejamento estratégico de longo
prazo. Enquanto países como Singapura implementam reformas consistentes ao
longo de décadas, o Brasil muda diretrizes a cada novo governo, sem uma visão
clara de futuro. A consequência disso é a perpetuação de um sistema falho, que
não forma cidadãos plenos e preparados para os desafios do século XXI. A
inércia do poder público aliada à indiferença social é o que nos trouxe até
aqui, e se não quebrarmos esse ciclo, o país continuará preso a um modelo de
subdesenvolvimento crônico.
A hora de mudar é agora. Não podemos mais permitir que a educação seja
vista como um setor secundário, relegado ao esquecimento e à precarização.
Precisamos de um movimento urgente e coletivo, que cobre investimentos sérios,
valorize professores, reformule currículos e envolva as famílias no processo
educacional. Caso contrário, continuaremos colhendo os frutos amargos dessa
negligência: uma sociedade que sabe muito sobre memes[2] e pouco
sobre si mesma, sua história e seu papel no mundo. O Brasil está à beira de um
abismo intelectual, e a única ponte para evitar a queda é a educação. Mas essa
ponte precisa ser construída com urgência. Se não agirmos agora, seremos
condenados a assistir, impotentes, ao colapso definitivo do futuro de nossa
nação.
[1] Pierre
Bourdieu (1930-2002) foi um sociólogo francês, conhecido por suas contribuições
para a teoria social e análise cultural. Desenvolveu conceitos como "campo
social", "habitus" e "capital cultural", que explicam
como as estruturas sociais e culturais influenciam a vida individual e
coletiva. Bourdieu também estudou as dinâmicas de poder e desigualdade,
especialmente no contexto educacional e cultural, criticando as formas de
dominação simbólica que reforçam as hierarquias sociais. Seu trabalho é
fundamental para as ciências sociais, influenciando áreas como sociologia,
educação e estudos culturais.
[2] Memes
são unidades de informação cultural que se espalham de pessoa para pessoa,
geralmente por meio da internet. Podem ser imagens, vídeos, frases ou ideias
que ganham popularidade rapidamente e muitas vezes são adaptados e reutilizados
em diferentes contextos. O conceito foi introduzido pelo biólogo Richard
Dawkins em O Gene Egoísta (1976), referindo-se a elementos culturais que se
propagam de forma análoga aos genes.
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