quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

O Colapso da Educação no Brasil


Por Jânsen Leiros Jr. 

 

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção.”  - Paulo Freire – Educador e filósofo brasileiro

 “A escola pública é a escola do povo e para o povo. Mas a escola do povo não pode ser uma escola menor, uma escola sem recursos, uma escola sem professores.”  - Anísio Teixeira – Pedagogo e educador brasileiro

 “A crise da educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.”  - Darcy Ribeiro – Antropólogo e educador brasileiro

 “Uma sociedade que não educa sua população para compreender e questionar o mundo ao seu redor condena-se à mediocridade e ao atraso.”  - Manuel Castells – Sociólogo espanhol especializado em sociedade e tecnologia

 “A democracia tem que nascer de novo a cada geração, e a educação é sua parteira.”  - John Dewey – Filósofo e educador norte-americano

 

Vivemos em um país onde o analfabetismo funcional atinge números assustadores. Para quem não sabe, o analfabeto funcional é aquele que consegue ler palavras e frases simples, mas não é capaz de interpretar ou aplicar o que lê no dia a dia. Segundo o Indicador de Analfabetismo Funcional (INAF), cerca de 30% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Isso significa que pouco mais de sessenta milhões de pessoas, no Brasil, não conseguem compreender um texto básico ou realizar operações matemáticas simples, mesmo após anos frequentando escolas. Nem mesmo conseguem absorver conhecimento sobre assuntos que já ouviram ou estudaram em sala de aula.

Esse cenário fica ainda mais alarmante quando olhamos para o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), principal indicador global de educação, que classifica o Brasil entre os últimos colocados em leitura, matemática e ciências. Em 2022, o Brasil ocupava a 57ª posição entre 80 países, um desempenho que já seria preocupante por si só, mas torna-se ainda mais vergonhoso quando analisamos quem está à nossa frente. Países como Cazaquistão (45º), Albânia (52º) e Malásia (50º), cujas economias são menores e enfrentam desafios históricos em desenvolvimento, conseguiram superar o Brasil na avaliação.

O contraste é ainda mais gritante quando observamos nações latino-americanas e africanas que, apesar de um IDH inferior, apresentaram desempenho melhor ou similar ao nosso. O Uruguai (43º), México (51º) e Costa Rica (53º), por exemplo, avançaram significativamente em suas políticas educacionais, demonstrando que é possível obter progresso mesmo sem grandes recursos. Na África, a Botsuana (56º) e a Jordânia (55º) também figuram próximas ao Brasil, mesmo com orçamentos educacionais consideravelmente menores.

Esse desempenho reflete um problema estrutural: um sistema educacional que falha em ensinar o básico e em preparar os alunos para desafios futuros. A educação deveria ser o alicerce do crescimento de uma nação, a pavimentação para um futuro minimamente digno. No entanto, ao ficarmos atrás de países com menor desenvolvimento econômico e social, provamos que estamos regredindo, condenando gerações inteiras à estagnação e aprofundando o fosso da desigualdade.

E o que dizer da nova geração? Uma juventude que passa horas assistindo vídeos curtos nas redes sociais, onde a superficialidade é a regra. Claro, a tecnologia é uma ferramenta poderosa, mas parece que estamos usando uma Ferrari apenas para dar voltas no quarteirão. Enquanto em países como Finlândia e Coreia do Sul a internet é utilizada como um instrumento de reforço ao aprendizado e ao pensamento crítico, no Brasil, ela tem sido, majoritariamente, um veículo de distração e consumo de conteúdo raso.

Um estudo do Comitê Gestor da Internet no Brasil revelou que jovens entre 15 e 24 anos passam, em média, nove horas por dia na internet, sendo a maior parte desse tempo dedicada a conteúdos efêmeros. Isso contrasta com dados de países da América Latina e da África. No Chile e no Uruguai, por exemplo, programas educacionais integram a tecnologia ao ensino formal, resultando em alunos mais preparados para desafios acadêmicos e profissionais. Já em Ruanda e Gana, na África, iniciativas digitais são utilizadas para compensar a falta de infraestrutura escolar, ampliando o acesso à educação. No Brasil, no entanto, o alto consumo de entretenimento descartável reduz a capacidade de atenção e compromete o aprendizado a longo prazo, sem gerar benefícios educacionais significativos.

O filósofo e educador Paulo Freire já alertava que "ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção", algo que se torna cada vez mais difícil em uma sociedade que privilegia o imediatismo e se satisfaz com aparências. Se países com menos recursos conseguem integrar a tecnologia à educação de forma produtiva, por que seguimos desperdiçando essa oportunidade? A quem interessa uma juventude incapaz de interpretar o mundo ao seu redor?

A falta de interesse pelo conhecimento gera consequências devastadoras. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a deficiência educacional está diretamente ligada à estagnação econômica de um país. Países com altos índices de analfabetismo funcional enfrentam maior dificuldade em se desenvolver tecnologicamente e manter uma economia competitiva. Sem uma população capaz de interpretar e aplicar informações de maneira eficaz, há um impacto negativo na inovação, na produtividade e na capacidade de adaptação às novas exigências do mercado de trabalho. Um exemplo claro é a diferença entre países que investem fortemente em educação, como a Coreia do Sul, e aqueles que negligenciam esse setor, como o Brasil. A Coreia do Sul, que há algumas décadas possuía um sistema educacional precário, hoje está entre os líderes globais em inovação, enquanto o Brasil segue lutando contra índices alarmantes de analfabetismo funcional e evasão escolar. O filósofo Michel Foucault dizia que "saber é poder", mas no Brasil estamos abrindo mão desse poder, permitindo que a ignorância se perpetue como um mecanismo de dominação e controle social.

 

O futuro que se desenha é desolador. Uma geração que não domina habilidades básicas dificilmente poderá competir em um mundo que exige cada vez mais conhecimento e inovação. A falta de qualificação compromete a empregabilidade e reforça desigualdades estruturais. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que trabalhadores com maior escolaridade ganham até três vezes mais que aqueles com ensino fundamental incompleto. Isso significa que a ausência de uma educação de qualidade não apenas limita as oportunidades individuais, mas também mantém milhões de brasileiros presos a ciclos contínuos de pobreza. Além disso, a educação deficiente gera impactos políticos e sociais profundos: cidadãos incapazes de compreender questões complexas tornam-se mais suscetíveis a discursos populistas e à manipulação midiática. O sociólogo Pierre Bourdieu[1] argumentava que a educação é um dos principais instrumentos de reprodução da estrutura social, e no Brasil essa reprodução tem se dado pela manutenção da ignorância como um fator de exclusão e submissão.

O que podemos fazer? Primeiro, é preciso valorizar os professores e investir em formação continuada. A Finlândia, referência mundial em educação, paga bons salários aos docentes e exige alta qualificação e atualização permanente, resultando em um ensino eficiente e respeitado. No Brasil, segundo dados do movimento Todos Pela Educação, mais de 40% dos professores afirmam não ter acesso a capacitação adequada. Isso significa que um número expressivo de docentes não recebe atualização sobre metodologias modernas de ensino, tornando-se reféns de um modelo ultrapassado que não estimula o aprendizado real. Além disso, a profissão docente no Brasil é desvalorizada, com baixos salários e condições de trabalho precárias, o que desmotiva os profissionais e afasta talentos do magistério. Segundo, é urgente reformular o currículo escolar, priorizando o desenvolvimento do pensamento crítico, o incentivo à leitura e a educação digital. Não podemos continuar insistindo em um modelo que forma alunos que decoram fórmulas, mas não sabem aplicá-las. Um currículo que não prepara para o mundo contemporâneo condena a juventude ao fracasso e o país ao atraso.

Pais também têm um papel essencial. Pesquisas indicam que crianças que crescem em ambientes estimulantes, com acesso a livros e conversas educativas em casa, tendem a ter melhor desempenho acadêmico. Estudos conduzidos pelo Instituto Ayrton Senna demonstram que o envolvimento dos pais na educação dos filhos é um dos principais fatores para o sucesso escolar. Em países com alto desempenho educacional, como o Canadá e a Noruega, há uma cultura de participação ativa da família no aprendizado. No Brasil, no entanto, muitos pais delegam completamente essa responsabilidade à escola, sem acompanhar o desempenho dos filhos ou estimular hábitos de leitura e estudo. A educação deve ser um compromisso coletivo, e sem o engajamento das famílias, qualquer reforma educacional será insuficiente.

Não dá para aceitar que a educação continue sendo tratada como um problema menor pelos governantes. As políticas educacionais oscilam conforme interesses políticos, sem continuidade e sem planejamento estratégico de longo prazo. Enquanto países como Singapura implementam reformas consistentes ao longo de décadas, o Brasil muda diretrizes a cada novo governo, sem uma visão clara de futuro. A consequência disso é a perpetuação de um sistema falho, que não forma cidadãos plenos e preparados para os desafios do século XXI. A inércia do poder público aliada à indiferença social é o que nos trouxe até aqui, e se não quebrarmos esse ciclo, o país continuará preso a um modelo de subdesenvolvimento crônico.

A hora de mudar é agora. Não podemos mais permitir que a educação seja vista como um setor secundário, relegado ao esquecimento e à precarização. Precisamos de um movimento urgente e coletivo, que cobre investimentos sérios, valorize professores, reformule currículos e envolva as famílias no processo educacional. Caso contrário, continuaremos colhendo os frutos amargos dessa negligência: uma sociedade que sabe muito sobre memes[2] e pouco sobre si mesma, sua história e seu papel no mundo. O Brasil está à beira de um abismo intelectual, e a única ponte para evitar a queda é a educação. Mas essa ponte precisa ser construída com urgência. Se não agirmos agora, seremos condenados a assistir, impotentes, ao colapso definitivo do futuro de nossa nação.



[1] Pierre Bourdieu (1930-2002) foi um sociólogo francês, conhecido por suas contribuições para a teoria social e análise cultural. Desenvolveu conceitos como "campo social", "habitus" e "capital cultural", que explicam como as estruturas sociais e culturais influenciam a vida individual e coletiva. Bourdieu também estudou as dinâmicas de poder e desigualdade, especialmente no contexto educacional e cultural, criticando as formas de dominação simbólica que reforçam as hierarquias sociais. Seu trabalho é fundamental para as ciências sociais, influenciando áreas como sociologia, educação e estudos culturais.

[2] Memes são unidades de informação cultural que se espalham de pessoa para pessoa, geralmente por meio da internet. Podem ser imagens, vídeos, frases ou ideias que ganham popularidade rapidamente e muitas vezes são adaptados e reutilizados em diferentes contextos. O conceito foi introduzido pelo biólogo Richard Dawkins em O Gene Egoísta (1976), referindo-se a elementos culturais que se propagam de forma análoga aos genes.

Nenhum comentário:

Postar um comentário